Faz uns dias, circula em grupos de
Whatsapp um áudio de Márcio Bittar. Seu conteúdo é tão interessante que findou
por ganhar as páginas dos jornais locais.
No geral, a divulgação e as análises
dedicadas ao áudio enfocaram o comentário sobre Gladson Cameli. Diz “Gladson
não é nem de perto o candidato que eu gostaria de ter”. De nossa parte,
consideramos compreensível, mas um tanto forçada a tentativa de criar abalo na
relação de ambos somente com base nesse comentário.
A nosso ver, as partes mais
eloquentes e contundentes do áudio dizem respeito ao próprio Márcio Bittar. São
as partes em que ele se refere a Temer e às contrarreformas que ele vem
defendendo e efetivando: a trabalhista e a previdenciária. Embora reconheça
Temer como “todo enrolado”, diz que as contrarreformas que ele vem
implementando são importantes para o Brasil e que está torcendo por elas.
De
modo simples. O homem do áudio, futuro candidato ao Senado pela oposição no
Acre, coloca-se como partidário de Temer e defensor de suas contrarreformas. E
assume tal posicionamento com uma franqueza e um entusiasmo dignos de nota.
Por
isso, o áudio aqui referido pode ser considerado como uma espécie de
apresentação e de declaração de intenções. Por ele, podemos ter uma ideia do
que esperar de um possível futuro senador Márcio Bittar.
No
áudio, Bittar afirma que “a reforma trabalhista foi fundamental, um marco no
Brasil”, “acabou com a legislação fascista”. Em suma, Temer, o “todo enrolado”,
teria, segundo ele, “modernizado as leis trabalhistas”.
Que
ninguém se engane com tais palavras. Bittar não manifesta desprezo pela antiga
legislação trabalhista por ela ser “fascista” (como diz). E, sim, por ela
conceder direitos e garantias ao trabalhador. O problema seria, então, não seu
caráter supostamente fascista, mas sua dimensão popular, social.
Por
isso, é que ele chama de “modernização das leis trabalhistas” o ato de
desamparar juridicamente os trabalhadores e desequilibrar, grandemente, em
favor dos patrões as relações trabalhistas.
Com
efeito, o que ele chama de “modernização” colocou o trabalhador brasileiro numa
condição de semiescravidão. Da noite para o dia, trabalhadores tiveram seus
salários reduzidos a menos da metade. Demissão em massa ocorrendo em diversas
latitudes do país. Trabalhadores que, ao recorrerem à justiça do trabalho,
perderam causas e - pior! - tiveram que arcar com os custos do processo.
Portanto,
do ponto de vista dos trabalhadores, não há progresso nessa “modernização”, e
sim retrocesso. E, se Bittar considera tudo isso positivo, é porque assume,
como seus, o ponto de vista e os interesses dos patrões.
Ainda
no áudio, Bittar diz estar torcendo pela reforma da previdência. Neste ponto,
fala, com alguma razão, de uns privilegiados que ganham muito e se aposentam
cedo. Entretanto, diga-se de passagem, que nem Temer nem o Congresso mostra
disposição para enfrentar os verdadeiros privilegiados. No geral, esses são
usados discursivamente apenas para inflamar a população e arrancar dela a
aquiescência quanto à reforma.
Ora,
como é consabido, a CPI do Senado já mostrou que o alegado déficit da
previdência é uma farsa e que a reforma, fundamentalmente, visa a 1) liberar
ainda mais o Estado de compromissos sociais com os de baixo; 2) fazer com que
uns trabalhadores sejam obrigados a recorrer aos bancos a fim de alimentá-los
com planos de previdência privada e que 3) outros trabalhadores morram de
trabalhar, sem nenhuma chance de aproveitar a aposentadoria com qual
contribuíram por toda uma vida.
No
intuito de dar sustentação a seu posicionamento a respeito da reforma da
previdência, Bittar alega ter 54 anos, que não tem aposentadoria nem pensão e
que não está pensando em parar de trabalhar.
Por
vezes, achei essa parte bastante engraçada. Por vezes, achei despropositada. Ora,
o que sabemos do “trabalho” de Bittar é que, eleição após eleição, ele chega ao
Acre para disputar cargos eletivos. Depois some. Então, temos notícias de que
ele está atuando em outro estado, em cargos de confiança.
Como
professor (uma das categorias criticadas no áudio), lido diariamente com
centenas de alunos. Dias há em que saio de casa às 6 da manhã e só volto às 6
da tarde. Preparo aulas e provas e trabalhos aos sábados, domingos e feriados.
Como pesquisador, não raro, meu tempo de trabalho se confunde como meu tempo de
descanso. Nesse ritmo, o vigor e a saúde se desgastam com relativa rapidez.
Todavia, sou capaz de afirmar que, com um “trabalho” igual ao do Bittar,
provavelmente eu chegasse aos 100 anos dançando lambada e jogando capoeira.
Para
ser ainda mais claro. O que sabemos do trabalho de Bittar é que ele disputa
eleições. E que, no geral, vem ao estado, de tempos em tempos, basicamente para
isso. Disputar eleições.
Quando
por aqui está, nesse “trabalho”, sempre encontra tempo para escantear
correligionários, forjando golpes dentro dos mais diversos partidos por onde
passa. Sintomáticas a esse respeito são suas relações com Bocalom e Major
Rocha. Não é por acaso que Bittar troca de partido como quem troca de
roupa.
Isso
mostra que, mais que um programa partidário, ele tem sempre em mente um
programa pessoal. A essa altura, fica claro que sua afinidade com Temer não se
restringe ao apoio que dão às reformas que atacam os trabalhadores e favorecem
os patrões. Ambos, Temer e Bittar, também gostam de golpear seus
correligionários.
Termino
fazendo um desafio a Bittar. Se ele está realmente certo de suas posições, que
ele, com a mesma franqueza do áudio, as assuma em sua campanha, em suas
propagandas eleitorais. Apoiar um presidente ilegítimo e impopular diz muito
sobre Bittar. Apoiar um candidato ao senado como Bittar diz muito sobre a
oposição.
No
mais, fica aqui registrado todo meu respeito, solidariedade e apoio aos trabalhadores.
Igualmente fica aqui todo meu desprezo pelos parasitas políticos. Aos inimigos
do povo, guerra sem trégua.
[1]
Cientista político, professor e pesquisador do Instituto Federal do Acre/Campus
Cruzeiro do Sul, onde coordena os projetos de pesquisa Trabalho, Território e Política na Amazônia e Miséria Política no Brasil. Autor dos livros Democracia no Acre: notícias de uma ausência (PUBLIT: 2014) e Desenvolvimentismo na Amazônia: a farsa
fascinante, a tragédia facínora (no prelo). E-mail:
israelpolitica@gmail.com
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