Em
uma passagem de O capital, Marx fez referência a um provérbio inglês, segundo o
qual, “quando dois ladrões brigam, algo de útil acontece. Realmente, a luta
ruidosa e apaixonada entre as duas facções da classe dominante, para determinar
qual delas explorava mais cinicamente o trabalhador, serviu para revelar o que
havia de verdadeiro dos dois lados” (MARX, 2003: 782).
O autor se referia aí à
briga que se desenrolava entre a “aristocracia da terra” e a “burguesa
industrial”. Mas, particularmente hoje, essa passagem faz lembrar o atual
cenário político brasileiro e os conflitos entre as duas facções da direita que
ora se desenrolam.
Para a “facção azul”
(encabeçada pelo PSDB e consortes), o Brasil está entre a democracia e uma
ditadura comunista ou bolivariana. Por essa ótica, a democracia só poderia
prevalecer se o atual governo caísse e ela assumisse. Para a “facção vermelha” (encabeçada
pelo PT e consortes), o país está entre a democracia e uma ditadura fascista.
Neste sentido, a democracia depende da permanência do atual governo e da
derrota (ou contenção) de seus inimigos, os golpistas.
Ambas as facções
arrogam para si a tarefa de defender a democracia contra um golpe, contra uma
ditadura. Embora acostumadas a mentir à sociedade, ao se acusarem, “algo de
útil acontece”. Dizem a verdade uma da outra. Ambas são golpistas e
antidemocráticas. São as principais responsáveis pela involução democrática dos
últimos anos, fragilizando e/ou desmantelando as conquistas da Constituição de
1988.
Profundamente corrupta,
a facção azul acusa a corrupção nas forças governistas apenas para miná-las,
visando a ocupar o lugar que hoje elas ocupam. Pouco lhe importa a democracia.
Por seu tempo, enredadas até a medula em corrupção, as atuais forças
governistas repetem um roteiro já nosso conhecido. Toda vez que acuadas,
denunciam perseguição dos outros e invocam o apoio da esquerda contra o
golpismo e a favor da democracia. É sempre assim.
Nesses momentos, gritam
coisas como “O golpe é contra você”, “O golpe é contra milhões de brasileiros”,
“O golpe é contra a democracia”, “O golpe é contra os trabalhadores e os
pobres”, “O golpe é contra toda a esquerda” etc. E assim, invertendo por
completo a ordem das coisas, tratando uma disputa político-partidária como se
fora a própria luta de classes, tentam nos fazer crer que é a democracia e a
esquerda que dependem do PT e não o contrário. Com efeito, a democracia não estaria
tão fragilizada e a esquerda tão enlameada, não fosse a atuação dos governos
petistas.
Em verdade, o golpe que
a facção azul da direita brasileira pretende dar em nossa democracia a facção
vermelha está dando. A entrega do pré-sal (proposta por José Serra (PSDB) e
acolhida pelo governo), reforma da previdência, aprovação da lei
antiterrorismo, possível congelamento do salário mínimo (aventado por
representantes do governo) são alguns dos fatores que mostram o quanto estão irmanadas
em seus intentos antidemocráticos e golpistas. A democracia brasileira está
entre golpes.
Dessa forma, o conflito
que se desenrola hoje no país não é entre um grupo democrático e outro
golpista. Ambos são golpistas. Ambos pretendem sangrar a democracia. Só
divergem em como sangrá-la. Agora que os conflitos se acirram e parece difícil
um recuo, não devemos desejar senão que se arruínem e se devorem entre si.
Nesse momento em que
mais desabridamente favorece os de cima e encurrala os de baixo, o PT já não
merece nem apoio nem solidariedade dos trabalhadores. Teve todas as chances de
que precisou para reorientar o governo, as que mereceu e as que não mereceu; e,
ainda assim, não o fez. Não há desculpas. A classe trabalhadora e as forças democráticas
já não podem quedar-se reféns suas. Precisamos trilhar outro caminho,
independente, verdadeiramente alternativo.
É chegada a hora de o
PT colher abundantemente o que abundantemente plantou.
Referências
bibliográficas
MARX,
Karl. O capital: crítica da economia
política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
[1]
Cientista Social, com habilitação em Ciência Política e membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e
Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (NUPESDAO). Email:
israelpolitica@gmail.com
2 comentários:
A sua reflexão foi perfeita Israel, pois nos faz ter um olhar mais aprofundado e critico desse momento vergonhoso que o nosso país esta passando.
Muito grato pelo comentário, caríssima Gleiciane Cardoso.
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