Pretendemos analisar a atuação política
da Igreja Católica no Acre. Para tanto, cremos ser preciso voltar aos dias de
sua fundação, quando esta era ainda Prelazia do Alto Acre e Alto Purus. A
tarefa que aqui nos propomos é extremamente importante para entender a história
acreana, das primeiras décadas do século XX aos nossos dias, pois se trata de
situar politicamente uma das mais influentes instituições locais.
Com esse intento, lançamos mão de uma
diversa literatura, dialogando com autores que se postam no campo religioso e
com outros que se postam no campo secular, materialistas e ateus até. Pesquisa
de campo, entrevistas e matérias veiculadas na imprensa local também aqui
servem de fonte.
O texto que segue aponta para três
grandes períodos da atuação política da Igreja Católica. Correspondendo aos
bispados de Dom Próspero G. Bernardi e Dom Júlio Mattioli[3],
o primeiro período vai de 1920, ano de instalação da Prelazia do Alto Acre e
Alto Purus[4],
a 1962, ano da morte de Dom Júlio Mattioli e da nomeação de Dom Giocondo.
Grosso modo, a esse período corresponde
uma postura mais conservadora por parte da Igreja. Há uma “proximidade amiga”
entre ela e “os de cima”, conformando aquilo que chamamos de relação triangular
(Igreja-Governo-classe dominante) de mútuo favorecimento. A perspectiva
teológica que explica e legitima tal relação é chamada por Dom Joaquín de
“teologia da conciliação”.
Compreendendo os bispados de Dom
Giocondo M. Grotti e Dom Moacyr Grechi, o segundo período vai de 1963, quando
Dom Giocondo assume efetivamente a liderança da Igreja, a 1998. Neste período
vemos uma Igreja que, sob a inspiração do Concílio Vaticano II e da teologia da
libertação, “opta preferencialmente pelos pobres” e, em razão disso, rompe com
“os de cima” e chega até a combatê-los.
Essa atuação começa com o bispado de Dom
Giocondo (1963-1971) e é solidificada com o de Dom Moacyr (1972-1998), quando,
segundo a terminologia de Dom Joaquín, a “teologia da conciliação” é sucedida
pela “teologia da separação”.
O terceiro período vai de 1999, ano da
posse de Dom Joaquín Pertíñez, aos dias atuais, abrangendo, até agora,
inteiramente o bispado deste. Aprofundando um declínio começado ainda no
segundo momento do bispado de Dom Moacyr, período que vai do final dos anos de
1980 a 1998, este momento é marcado por uma volta ao conservadorismo clerical.
Nos dias que correm, a Igreja retoma a
evangelização tradicional; evita tratar de modo consequente os problemas
sociais, quando não os ignora completamente; por um lado, afasta-se “dos de
baixo” e suas lutas e, por outro, se reaproxima “dos de cima”; mostra-se
profundamente subserviente às autoridades governamentais, pondo-se, por isso,
até em desacordo com as forças efetivamente populares.
Poucos setores da Igreja fogem a este
perfil, como CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e CPT (Comissão Pastoral
da Terra). Por manterem suas lutas em torno do problema das terras e
territórios, denunciando que os problemas agrários não foram resolvidos no
estado e que, em muitos aspectos, vêm até se agravando, estes incomodam “os de
cima” e as autoridades estatais.
Em função disso, vivem numa condição de
isolamento, dificuldades, perseguição e ameaças várias. Nem mesmo a Igreja os
ajuda na medida do necessário, da pertinência e da justeza da causa por eles
defendida.
Por isso, é lícito dizer que atualmente,
com Dom Joaquín (mas não só em razão dele), a Igreja atua como se tivesse
voltado ao período pré-conciliar, numa perspectiva espiritualista e clerical,
conservadora, aliada “aos de cima”. É a isto que chamamos “involução política”.
Não cuide o leitor que os cortes
temporais efetuados se devem unicamente aos bispados, como se dependessem
unicamente das “virtudes” pessoais dos bispos. O que seria altamente cômodo, porém
impreciso.
Certamente a atitude pessoal dos bispos
conta, bem como seus carismas. Todavia, em momento oportuno, mostraremos que os
cortes temporais se devem também à coincidência de fenômenos diversos, locais,
nacionais e internacionais, internos e externos à Igreja.
No que segue, deter-nos-emos mais
amplamente nos dois últimos períodos, os que mais diretamente influenciam
nossos dias.
Breve esclarecimento
teórico-metodológico
Aqui conjugamos Bourdieu e Gramsci. Do primeiro
utilizamos a “teoria geral dos campos”, associando-a ao conceito de hegemonia
do segundo. Com isso, cremos ter os instrumentos necessários para levar a cabo
a reflexão que nos propomos, melhor compreendendo a atuação multiforme e
variável da Igreja ao longo de quase um século.
Assim, procuramos também evitar duas perspectivas
correntes, tão cômodas quanto equívocas. A primeira confunde capital (poder) econômico com os capitais (poderes)
simbólico-ideológico e político estatal, submetendo completamente estes àquele.
Nesta perspectiva, própria de um materialismo
economicista, a classe dominante, em razão de seu poder econômico, teria
necessariamente também os poderes político estatal e simbólico-ideológico. A
classe economicamente dominante então seria também, sempre e em todo lugar, a
classe política e ideologicamente dominante.
A segunda até diferencia os referidos poderes, mas
ao ponto de separá-los totalmente,
atribuindo autonomia absoluta aos poderes político estatal e
simbólico-ideológico ante o econômico.
Naquela, absoluto é o submetimento dos outros
poderes/capitais ao poder/capital econômico. Nesta, absoluta é a autonomia dos
outros poderes/capitais diante do poder/capital econômico.
Ao lançarmos mão dos conceitos de “capital político
estatal”[5],
“capital econômico” e “capital simbólico-ideológico”, componentes da teoria
geral dos campos de Bourdieu, de modo nenhum temos a intenção de fragmentar a
realidade social numa miríade de fragmentos, separados e independentes uns dos
outros. Jamais esqueceríamos que, para Bourdieu (O poder simbólico), o “real é o relacional” e para Marx (Grundrisse), o “real é a unidade do
diverso”.
Em verdade, há uma unidade entre os poderes econômico, político e simbólico-ideológico
(neste último se encontra a religião, como subcampo)[6].
Em geral, no capitalismo, o poder/capital fundamental é o econômico.
Entretanto, em que pese a sua proeminência perante os outros poderes, ele não
se basta. É necessário o Estado (poder/capital político com sua estrutura
jurídico-coercitiva) lhe dar sustentação (com a força da lei e a lei da força)
e o poder/capital simbólico-ideológico a lhe garantir um mínimo de legitimidade
que seja.
Dentre outras coisas, quer isto dizer
que a unidade dos poderes/capitais
não anula a diferença e a relativa autonomia que eles mantêm entre
si. Desse modo, ainda que seja o mais fundamental no capitalismo, o poder
econômico de que dispõe a classe dominante não se traduz, necessariamente, em
todo tempo e lugar, em domínio sobre o poder político estatal e o poder
ideológico.
Os poderes político estatal e
simbólico-ideológico, juntamente com as instituições e organizações que os
encarnam, não são monopólio da classe dominante, ainda que em geral estejam
voltados para a manutenção de seus interesses. Vez por outra, isso pode criar
um sem-número de embaraços à classe dominante.
Sob os bispados de Dom
Próspero e Dom Júlio Mattioli (1920-1962): vigência da “teologia da
conciliação”
Sob a condução de Dom Próspero, e quando
a sede era ainda Sena Madureira, Klein (As
contribuições da Igreja do Acre e Purus para a ética social) fala da
solenidade de instalação da Prelazia do Alto Acre e Alto Purus, ocorrida em
1920. Nela se fizeram presentes “todas as autoridades civis e militares, os
sacerdotes e o povo em geral” (PERTÍÑEZ, s/d: 103). Dizia Klein que
Após missa com homilia, benção e
publicação das indulgências, houve o ato de obediência das autoridades
(estatais), do clero e do povo em geral ao Bispo, finalizada com o beijo do
anel episcopal (...). A novidade dos festejos foi a venda da foto do Bispo no
valor de 200 cruzeiros, sendo um valor alto na época (MARTINELO apud KLEIN,
2007: 34).
Nesta pequena passagem,
saltam aos olhos a proximidade entre a autoridade eclesial e as autoridades
seculares, bem como o poder de influência da instituição religiosa entre os
populares. A venda da foto do bispo por “alto valor”, algo meio curioso, mostra
que ele era tido na conta de homem de grande valia social.
Tal pôde ser observado ainda quando da
visita do Bispo Próspero a Rio Branco. Klein (2007: 35) faz notar que, no final
de 1920, a visita “foi motivo de vários eventos sociais, missa solene,
encontros com autoridades e visitas particulares em famílias”.
Em 1921, a posse de Epaminondas Jacome,
primeiro governador territorial do Acre, foi celebrada com missa solene.
Retribuindo as “gentilezas clericais”, ainda no mesmo ano, o governador e sua
filha apadrinharam “o ritual de inclusão de São Felipe Benizi na Igreja de São
Sebastião de Rio Branco”.
O governador foi ainda mais longe. Para
homenagear o Bispo e reivindicando uma relação mais estreita entre Estado e
Igreja, decretou que uma escola a ser construída em Xapuri seria chamada Escola
Dom Próspero (PERTÍÑEZ, s/d: 145).
Outros governadores, por fé e/ou por força do
mais frio cálculo político a respeito da importância da Igreja para a
manutenção da ordem, cultivaram a amizade. Em 1929, Hugo Carneiro compareceu ao
ato de lançamento da primeira pedra da Igreja Prelatística em Sena Madureira.
Em 1944, morre Dom Próspero. E já em 1945 a Igreja realizava um Congresso
Eucarístico em Rio Branco. Dom Júlio Mattioli convidou o governador e sua
esposa para a organização do evento. Klein (2007: 51-52) ressalta que
“participaram do evento autoridades de todos os setores do governo”.
Nomeado Administrador Apostólico da
Igreja desde 1941, Dom Júlio Mattioli foi sagrado bispo em 1948. Sua sagração
teve por
padrinho o governador do Território Federal do Acre, o Major
Guiomard dos Santos, que patrocinou os objetos usados nos rituais de sagração,
o banquete festivo e mandou construir a fonte luminosa da sagração em frente ao
palácio Rio Branco (KLEIN, 2007: 54).
Nas eleições de 1954, era possível
perceber que a boa relação entre a Igreja e o Major continuava e lhe era muito
favorável. Ainda segundo Klein (2007: 58), aquelas eleições foram polarizadas
por Oscar Passos (Partido Trabalhista Brasileiro - PTB) e Guiomard dos Santos
(Partido Social Democrático - PSD). Sendo taxado de “apoiador do divórcio”,
Oscar Passos não contou com a “simpatia dos padres”.
Em verdade, os anos de 1940 e 1950 “são
marcados pelas disputas entre Guiomard dos Santos e Oscar Passos”, a quem Silva
(Autoritarismo e personalismo no Poder
Executivo Acreano, 1921-1964) chama de “coronéis da política acreana”
(SILVA: 2012: 12; 20). A cúpula da Igreja apoiava o primeiro e a ele se aliou a
fim de defender “Deus e a família” e combater o “comunismo”. O autor ressalta
que, num panfleto de campanha de Guiomard dos Santos, lia-se que
“empunhando em uma mão a arma
branca do voto e na outra a cruz de Cristo, haveremos de expurgar de uma vez
por todas a horda vermelha”. Claramente se percebe aí a alusão a questões que
eram combatidas tanto pelos militares quanto pela cúpula da Igreja Católica
(...) (SILVA, 2012: 77).
Efetivamente, havia diferenças
substanciais entre estas forças políticas de modo que, além do elemento
ideológico-religioso-moral, a Igreja pudesse justificar sua opção em razão de
ganhos sociais para a sociedade? Em absoluto. Ontem como hoje,
Governo e oposição (destaques do autor) eram termos sem grandes significados
de conteúdos que indicassem e demarcassem campos claros de ação política ou
consistência ideológica. O que importava antes de tudo era o “controle das
agências governamentais para o exercício do clientelismo” (...). Sem dúvida
nenhuma, o que havia era uma teia ampla de acomodações políticas e compromissos
que eram essenciais existirem para conformar grupos e sujeitos hierárquicos e
diferenciados, que não conseguiam subsistir fora desta ordem de coisas que era
vista como “natural” e necessária (SILVA, 2012: 79-80).
Desse modo, pode-se dizer que a disputa
entre forças políticas pelo controle do Estado não significava necessariamente
uma disputa entre projetos societários opostos. A disputa era para ver quem
ficava à frente do Estado e nele acomodaria os seus, mas não necessariamente em
que direção a máquina estatal iria caminhar. Quanto a isso não havia disputa:
independentemente de quem estivesse no governo, a classe dominante seria sua
principal beneficiária.
Aos de baixo, portanto, pouco importava
se a Igreja apoiava este ou aquele candidato. Uma atuação libertária por parte
da Instituição só seria possível se questionasse o quadro político e a ordem
econômico-social no sentido mais amplo, coisa que não estava entre seus planos
naquele momento.
Relação triangular de
mútuo favorecimento
Segundo Dom Joaquín (História da Diocese de Rio Branco
(1878-2000)), “No objetivo de evangelizar o povo, a Igreja pensava
necessário se unir ao governo, enquanto o governo não perdia a oportunidade
para encontrar na Igreja uma maior cobertura diante do povo”. Além da Igreja e
do governo, também a classe dominante tomava parte nesta “boa relação”:
A prelazia parecia assim bem
convencida que para “dilatar o Reino de Jesus sobre a terra”, precisasse se
aliar com a classe dirigente, ou através dela evangelizar o povo. Tornou-se
praxe o missionário hospedar-se na casa do seringalista durante as desobrigas
na floresta. (...) o inimigo a combater não era o sistema do barracão, que eles
nem chagavam a questionar. O verdadeiro inimigo para eles era a ignorância
religiosa (...) era a imoralidade familiar (...) era o protestantismo (...) era
a maçonaria enquanto se manifestava com o seu liberalismo e anti-clericalismo
(PERTÍÑEZ, s/d: 104).
A relação triangular
Igreja-Governo-classe dominante assim desenhada era uma relação de mútuo
favorecimento. Nela, a Igreja tinha muito interesse, porquanto, no domínio “dos
de cima” sobre “os de baixo”, tinha ela “estratégica ponte” para chegar até
estes, mantendo e/ou aumentando o número de seus fiéis e, portanto, seu
“capital religioso”.
Eis uma das marcas mais notórias da
“evangelização tradicional” que então vigorava: preocupação em manter ou
aumentar o controle sobre o “mercado religioso” (fiéis) e uma orientação,
mormente, espiritual.
Pela citação acima, vê-se que o
“inimigo” (o problema) não era a opressão ou a exploração, e sim o que, de
alguma forma, limitava a melhor aderência das consciências ao catolicismo, como
o “imoralismo” e os concorrentes (protestantes e maçons). Se o governo e a
classe dominante possibilitavam à Igreja combater - quiçá vencer - “seus
inimigos”, não haveria problema nenhum em se associar a eles.
Portanto, a manutenção daquela ordem
consumia os esforços dos prevalecidos e os unificava numa aliança
significativamente sólida. As autoridades governamentais colocavam à disposição
da Igreja seu “capital político estatal”, seu prestígio e o que mais fosse
possível através da máquina pública, como as parcerias para a Igreja levar
adiante suas obras sociais. A classe dominante, na medida do que não lhe
configurasse prejuízo, oferecia a ela seu “capital econômico” e tudo o que
disso pudesse ser derivado.
A Igreja, por seu turno, colocava à
disposição de ambos seu “capital religioso” (simbólico-ideológico), pondo-se ao
lado deles com toda a autoridade de uma instituição que se considera - e é
considerada por muitos - represente de Deus na terra, de modo que à relação
triangular de mútuo favorecimento corresponde uma união de poderes/capitais: o
político estatal, o econômico e o religioso (simbólico-ideológico).
Tal interpretação não seculariza em
demasia as crenças, as coisas transcendentes, negando-lhes qualquer
especificidade ou margem de liberdade ante as forças/fenômenos
materiais/seculares? Em outras palavras: essa interpretação não seria fruto de
um tosco materialismo? Não. Essa proximidade com “os de cima” é, hoje,
amplamente reconhecida pela própria Igreja. Sobre ela é Dom Joaquín mesmo quem
diz, com uma franqueza e uma capacidade de autocrítica dignas de nota:
A instituição como um todo
mantinha relações de cooperação com o governo local e, de certo modo, era uma
aliada da oligarquia dominante. Não há um só documento, desse período, que
coloque em questão as estruturas injustas, como as relações de trabalho
vigentes nos seringais (PERTÍÑEZ, s/d: 482).
Em suma, a Igreja “como um todo” era
aliada do governo e da classe dominante. E não apenas abençoava a ordem ou
permanecia indiferente à opressão e à exploração que a sustentavam. A Igreja
colaborava ativamente para a manutenção da ordem, dela também tirando proveito.
Cada um com seu quinhão, os prevalecidos. Cada um com seu grilhão, os oprimidos.
Durante bom tempo, a classe dominante acreana teve a
seu favor os três poderes/capitais (econômico, político estatal e ideológico),
que lhes sustentavam como uma espécie de tripé, onde a Igreja representava
parte graúda do poder/capital simbólico-ideológico. Isso dava à classe
dominante um amparo ideológico monumental.
A partir do bispado de Dom Giocondo, as coisas
mudariam...
Sob o bispado de Dom
Giocondo (1963-1971): ensaios de uma “teologia da separação”
Num esforço para colocar a Igreja local em
consonância com as novas orientações advindas do Concílio Vaticano II, o novo
bispo fará da “promoção humana” o principal eixo de seu pastoreio. A esse
respeito, dizia que “Cristo Jesus, operando a Redenção, que é também uma
reforma, focaliza este centro: a pessoa humana, tão rica em sua dignidade
religiosa, moral, jurídica, política e econômica, numa palavra, em sua
estrutura natural”. Em outra oportunidade, disse: “Quero agir até o fim, até a
morte se for preciso, pelos homens, pois esta é a única maneira de confessar
Aquele que não quis ser entres os homens, senão homem”.
Nesse quadro, a preocupação espiritual
já não prescindia da preocupação social. A preocupação de convidar os homens
para o banquete do pão eucarístico, na Igreja, não se descolava da preocupação
de que estes mesmos homens tivessem, em suas próprias mesas, o pão
cotidiano.
Nesse sentido, continuam as preocupações
com as obras sociais. Em 1966, o governador Jorge Kalume entrega a direção do
Leprosário Souza Araújo à Igreja e em 1968 é inaugurado o Hospital Santa
Juliana, que Dom Giocondo frisava ser preferencialmente para os pobres.
Todavia, os novos tempos impunham à Igreja assumir uma atitude menos caritativa
e mais profética. Impunham que, sem descuidar das obras de assistência, agisse
mais na causa que nos efeitos da miséria e da marginalização. Era preciso que,
profeticamente, denunciasse as raízes estruturais da opressão e da exploração.
Com essa orientação, uma atuação mais
nítida e ostensivamente política era inevitável. Nesse contexto, as novas
orientações da Igreja a colocavam em rota de colisão com “os de cima”. A
relação triangular (Igreja-Governo-classe dominante) de mútuo favorecimento,
marcante na maior parte da história acreana, será profundamente abalada. E, como
veremos, colocar-se resolutamente ao lado dos oprimidos custaria à Igreja ser
tratada como “inimiga da ordem” e dos que nela prevalecem.
Em dada ocasião, ao fim de uma missa,
Dom Giocondo insistia que era necessário “agir como fermento”, passar do “passivismo
religioso” ao “ativismo cristão”. Isso ele ensinava e assumia para si mesmo.
Segundo Costa Sobrinho (Capital e
trabalho na Amazônia Ocidental: contribuição à história social e da luta
sindical no Acre), em 1965, o bispo articulou a criação da “Associação
Profissional dos Pedreiros e Auxiliar de Pedreiros, anos depois transformada em
Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil de Rio Branco”
(COSTA SOBRINHO, 1992: 160). Ele mesmo redigiu o estatuto da Associação.
Nota-se, com isso, que a atuação do
bispo longe estava de ser meramente caritativa. Com ele, a Igreja ensaiava os
primeiros passos na direção de uma atuação direta, militante, de formação, que
assume como sua a causa dos trabalhadores e oprimidos em geral, bem como os riscos
que daí decorrem.
Aos sábados, fazendo de sua casa a casa
do povo, local em que o povo poderia discutir seus problemas e apontar
possíveis soluções, Dom Giocondo abria as portas de seu Palácio[7]
para os encontros do Grupo de Elevação Social e Cultural do Acre (GESCA). Nesse
recinto,
... se discutia música, poesia
etc., e também lia-se a literatura política disponível. Após ciclos de
palestras, que o grupo promoveu, começaram de modo sistemático as ameaças por
telefone ao Bispo, alguns dos associados foram chamados ao DOPS, outros até
dispensados do emprego (COSTA SOBRINHO, 1992: 160).
Além da opção de trabalhar com “os de
baixo” e para “os de baixo” no sentido de sua emancipação, outros elementos
contarão para abalar e redefinir a relação da Igreja com seus velhos aliados.
Quanto a isso, ganhará relevo o tratamento que, sob o regime militar, as
autoridades governamentais dispensarão a membros do clero, tratando-os por
“subversivos”.
No ano de 1964, logo após o golpe
militar[9],
o Pe. Mário Assario escreveu cartazes em que se manifestava contra o governo e
os colocou no palácio do governo. Por isso, o padre teve que viajar para a Itália,
sem mais voltar para o Acre.
Pe. Júlio Vitte foi outro clérigo a ter
problemas com o regime. Acusado de praticar atividades “nocivas à ordem
política e social”, foi expulso do país em 1969. Na carta de expulsão, as
autoridades alegavam que os “pronunciamentos” do sacerdote “estavam servindo à
causa do comunismo internacional” e “estimulando a subversão nesta região”. Sua
presença nesta zona fronteiriça contrariava os “interesses da segurança
nacional”, alegaram por fim.
Em sua missa de despedida, o clérigo,
fazendo juramento com as mãos sobre os Evangelhos, dizia:
eu, Pe. Júlio Vitte, sacerdote
católico, nacionalidade francesa, juro que nunca servi à causa do comunismo
internacional, nem estimulei à subversão em lugar algum, como pretendem as
autoridades estatais do Acre. Juro que apenas pretendi e pretendo servir à
Igreja Católica, transmitindo a luz libertadora, pacífica e fraterna de Jesus
Cristo (...). Neste momento tão doloroso e tão amargo, a algumas horas de minha
expulsão desta bendita e hospitaleira terra acreana, quero apenas fazer minhas
as palavras que Jesus Cristo, caluniado, injuriado e insultado, dirigiu a seu
Pai: “Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem” (VITTE apud
PERTÍÑEZ, s/d: 511-512).
No mesmo dia, os padres Servos de
Maria da Prelazia Acre e Purus apresentaram uma carta em que prestavam
solidariedade ao padre e protestavam contra a forma de agir das autoridades
estatais:
Protestamos contra essa forma de
proceder das autoridades desde que o Padre foi expulso sem fazer-lhe conhecer
as razões de sua expulsão e sem dar-lhe a liberdade de defender-se. Esta é uma forma de agir de governos
totalitários (...). As acusações de
“subversivo” nos parecem infundadas, pois não é raro constatar que certos
grupos - como afirmam os bispos da América Latina - “qualificam de ação
subversiva qualquer tentativa de mudar um sistema social que favorece a
permanência de seus privilégios”. É este o momento de reafirmar a necessidade
de nosso empenho na luta em favor da massa desfavorecida e “às vezes tratada e
explorada duramente” (Papa Paulo VI), pois “o cristão (...) que não luta pela
justiça é um cristão medíocre, é uma deformação da imagem de Deus Criador, da
bondade do Pai e da misericórdia do Senhor” (...). Desaprovamos a maneira arbitrária de proceder das autoridades que,
ignorando acordos existentes entre autoridades governamentais e eclesiásticas,
decretam a expulsão do referido Padre sem dar conhecimento à autoridade
eclesiástica competente. (PERTÍÑEZ, s/d: 513-514) (negrito nosso).
Durante os dias em que se deram
esses episódios, Dom Giocondo estava viajando. O bispo tomou parte na contenda
através de duas cartas, datadas de 05/02/1969. Uma endereçada a Pe. Júlio e
outra, ao governador do Estado na época, Jorge Kalume. Como na carta dos padres
Servos de Maria acima citada, também nestas se misturam solidariedade ao padre
expulso, críticas (abertas e ácidas) ao regime e reafirmação do compromisso com
“os de baixo”.
As citações a seguir bem mostram quão
profundamente abaladas então se encontravam as relações da Igreja com “os de
cima”. A carta endereçada ao Pe. Júlio:
Tu partiste, mas sabes que 80% de
analfabetos ficaram por lá te esperando! O teu sacrifício servirá - certamente
- para chamar a atenção e abrir os olhos para os reais problemas de nossa terra
e no dia em que puserem metade do zelo demonstrado ao guardar a segurança
nacional na solução dos problemas sociais do nosso Acre, a coisa será bem outra
(...). Aceita, Pe. Júlio, o teu sacrifício, e oferece-o ao povo que querias
ajudar para que tenha mais verdade, mais saúde e mais pão em sua vida
atribulada (GROTTI apud PERTÍÑEZ, s/d: 512).
Na carta endereçada a Jorge Kalume, o
bispo dizia:
lamento profundamente que também
seu governo, o qual nunca se cansou de se auto-definir “católico” e
“respeitador”, tenha instaurado um regime onde, deixada de lado a justiça, se
age contra os indivíduos por simples acusações que, por sua gravidade e pela
pessoa visada, mereceriam sério e profundo exame (...). Por enquanto nada posso
fazer uma vez que me faltam os elementos necessários a fim de formular um
julgamento exato dos fatos, dos homens e das coisas, pois no momento, além do
depoimento do caríssimo Pe. Júlio, disponho apenas do ofício acima citado que
(...) reputo superficial, infundado, ridículo e desonroso para o Governo de V.
E., e para qualquer um que assinasse; digno de sair não de uma Secretaria de
Segurança, mas de Insegurança (GROTTI apud PERTÍÑEZ, s/d: 513).
Em 1971, um sacerdote foi proibido de
lecionar em escola pública. A pressão não se fazia sentir apenas sobre o clero.
Também os leigos estavam sujeitos a ela. Em 1969, foi presa uma participante do
movimento juvenil. Isso significa que a “mensagem” que a Igreja levava era
incômoda, perigosa para o sistema.
Viesse tal “mensagem” de uma instituição
de peso pouco, as coisas passariam de modo relativamente tranquilo. “Aos de
cima”, bastava ignorá-la. Tudo passaria como se ela não existisse. Vindo,
porém, da Igreja Católica, com toda força que ela tinha, assustava. A lâmpada
que ela acendeu em defesa da “promoção humana” iluminava e chamava a atenção de
muitos.
Neste caso, não bastava ignorar. Era
preciso combater, silenciar. Se o antigo método da troca de favores não cumpria
esse papel, então era necessário recorrer à intimidação, à repressão
desabrida.
Aplicava-se ao Acre aquilo que o teólogo
peruano Gustavo Gutiérrez (Teologia da
libertação: perspectiva) havia observado a respeito da América Latina.
Acostumados a se servirem da “Igreja para defenderem os próprios interesses e
manter os privilégios”, os grupos dominantes, ao verem “as tendências
‘subversivas’ que penetram no seio da comunidade cristã”, passam a apelar “à
função puramente religiosa e espiritual da Igreja” (GUTIÉRREZ, 2000: 118).
Cumpre dizer que o que incomodava “os de
cima” não era a atuação política da Igreja. Atuação política ela sempre teve,
desde seus primórdios. O que incomodava era a atuação política em favor “dos de
baixo”, com “os de baixo”, e contra “os de cima”.
Naquela ocasião, como em todas as outras
de idêntica paisagem, reivindicar “apoliticismo” por parte da Igreja era, na
verdade, “subterfúgio para deixar as coisas como estavam” (GUTIÉRREZ, 2000:
236). É com razão que Michael Löwy (2000: 194) trata “apolítica” como “um termo
que na verdade descreve uma posição que apoia o status quo”.
Em O movimento de Jesus: história
social de uma revolução de valores, Gerd Theissen sustenta que, nas
religiões, “deparamo-nos com visões estabilizantes e dinâmicas: ou o mundo está
em ordem da forma como está, ou ele tem de mudar para se tornar assim como se
deve ser” (THEISSEN, 2008: 357).
Levando as conclusões até o ponto em que
o autor não ousa, é lícito dizer que ou as religiões são ordeiras (a favor da
ordem e dos que nela prevalecem e contra os que nela são subjugados) ou
desordeiras (contra a ordem e, ainda que inconscientemente, contra os que nela
prevalecem e a favor dos subjugados).
O que Gerd Theissen fala das religiões
em geral vale também para o cristianismo. No livro A guerra dos deuses:
religião e política na América Latina, Michael Löwy sintetiza seu
itinerário: primeiro, o cristianismo foi uma religião de escravos; depois, ideologia
estatal do Império Romano; a seguir, religião feita sob medida para a
hierarquia feudal e, finalmente, adaptada à sociedade burguesa/capitalista
(LÖWY, 2000: 17).
Nenhuma reivindicação de “apoliticismo”
(abstenção ou neutralidade política) é capaz de apagar o efetivo papel político
que historicamente o cristianismo em geral e o catolicismo em particular
cumpriram, contra ou a favor da ordem.
A falar a verdade, não tomar partido é
impossível, posto que não tomar partido é já tomar partido. Acaso o ato de
lavar as mãos livrou Pilatos da culpa de não ter salvado um inocente? Não teve
ele que escolher entre César e o carpinteiro de Nazaré (Jo, 19: 12)? Não ficou
ele do lado dos poderosos e assassinos de Jesus?
Mudança na ordem
simbólica
Em verdade, a Igreja é sempre “santa e
amiga”. Entretanto, tudo depende de que lado da trincheira da luta de classes
ela se coloca.
Diferentemente do período imediatamente
anterior, em que nenhum documento “colocava em questão as estruturas injustas”,
agora, sob o bispado de Dom Giocondo, o sistema é denunciado de modo aberto,
como aberto é declarado o compromisso com os que por ele são subjugados.
Só restava pagar o preço pela ousadia.
Para usar uma linguagem bíblica, era preciso tomar sua cruz e seguir com
coragem “o filho do carpinteiro” (Mt, 13: 55). Pois aquele que não tomar sua
cruz e o seguir, dele não é digno (Mt, 10: 38). Ou poderia alguém achar que a
Igreja está acima de seu fundador, aquele que “foi provado em tudo como nós,
com exceção do pecado” (Hb, 4: 15)? É provável que não. Afinal, Jesus mesmo
disse que “o discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do seu
senhor” (Mt 10, 24).
Por aqueles anos, os meios de
comunicação não tinham a força que hoje têm. Os poucos movimentos sociais e
sindicais existentes eram demasiado frágeis. Neste cenário, desponta por seu
relevo a Igreja Católica, que figurava, em razão disso, como uma das principais
instituições responsáveis pela manutenção da “ordem simbólica”[10],
algo de fundamental importância para a manutenção da ordem mais estritamente
econômico-política.
Para tal manutenção ela contribuía ao
postar-se ao lado dos prevalecidos. Por isso, até ali, Deus fora apresentado
pela Instituição como tutor da ordem.
Mas as coisas haviam mudado. A Igreja
passara para o lado “dos de baixo”, levando consigo toda sua força ideológica.
Como vimos, o poder “dos de cima” se assentava no tripé “poder/capital
econômico”, “poder/capital político estatal” e “poder/capital
simbólico-ideológico (do qual a Igreja compunha parte considerável). Sem este
último, as coisas não seriam as mesmas.
Como Gramsci ensinou em sua obra, não
basta “aos de cima” o simples dominar pela força. É preciso liderar, convencer,
“ganhar” pelas ideias, pelos valores, pela cultura. Numa palavra, é preciso que
os dominantes façam com que os dominados, de alguma forma, olhem o poder que
sobre eles pesa como algo natural e/ou legítimo. É preciso que a ele se
submetam, encantadamente ou resignadamente. Isto se consegue através do poder
ideológico cuja função é, para utilizar uma expressão de Weber, “domesticar os
dominados”.
Apresentando um Deus que não compactua
com uma ordem injusta e que “opta preferencialmente pelos de baixo”, a Igreja
modifica a ordem simbólica, tirando “aos de cima” importante amparo ideológico
de seu domínio, descobrindo-os amplamente nesta frente. As implicações
político-ideológicas desse fato são extraordinárias. Ainda mais se reforçadas,
como de fato foram, pela atuação militante com que a Igreja se colocou ao lado
dos oprimidos, ouvindo-os, falando-os, mobilizando-os, articulando-os.
Em termos gramscianos, pode-se dizer que
isso minava o poder de direção “dos de cima”. Ainda mantinham fortemente o
poder econômico e o controle sobre o Estado. Mas o poder simbólico-ideológico,
representado pela Igreja, se lhes fugia entre os dedos e logo se levantaria de
modo corajoso e inteligente contra eles.
A Igreja continuava mater (mãe) et magistra (educadora).
Agora, contudo, assumia também a função de “intelectual orgânico” da classe
subalterna. A fé servia já não para anestesiar e domesticar, mas para mobilizar
o ânimo dos oprimidos.
Um legado para os anos
vindouros
Os anos que então se avizinhavam apenas
radicalizariam a situação. Como lembra Silva (Tempos de violência, espaços de resistência), em 1969 chega ao Acre
a primeira comitiva dos “paulistas”, assim conhecidos por virem em geral do
Oeste Paulista. Visavam adquirir terras e, com isso, especular no mercado
fundiário local e nacional (SILVA, 2006: 153-154).
Por força da falência da empresa
extrativista e do suposto “perigo comunista”, as políticas nacionais dos
militares eram voltadas para garantir a segurança na região amazônica através
de sua ocupação, dando ênfase à expansão da agropecuária. A permanência na
terra - e mesmo a vida - das populações locais que viviam basicamente do
extrativismo estava fortemente ameaçada.
Para os que vinham de fora, contando com
o poder econômico e os favores do Estado, os que aqui estavam eram um problema
a ser resolvido, fosse do jeito que fosse. Não tinham direito de existir. Os
conflitos agrários não se fariam esperar.
Pressentindo isso, pouco antes de
morrer, Dom Giocondo manifestou preocupação. Em 1971, escrevia ao
advogado Océlio Medeiros, pedindo
que viesse ao Acre advogar sobre questão de terra, envolvendo posseiros (...) e
o fazendeiro José Tavares do Couto, que havia adquirido a terra e movia ação de
expulsão contra os ocupantes da terra (COSTA SOBRINHO, 1992: 161).
Ainda naquele ano, o bispo toma uma
decisão de fundamental importância para a organização da resistência “dos de
baixo” ante a violência “dos de cima”. Ele convoca a Primeira Assembleia Geral
de todos os Agentes Pastorais da Prelazia. Propunha-se, dessa forma, uma ação
pastoral conjunta. A Igreja procurava caminhar unida, e isso seria de extrema
importância para a tarefa que ela iria assumir no que toca aos pequeninos.
De acordo com Dom Joaquín, este foi o
ponto de partida de sua renovação conciliar[11].
Dentre outras coisas, daí surgiram a ação pastoral de conjunto, novo modelo de
evangelização, formação espiritual e cultural dos agentes de pastoral, inserção
dos leigos nos trabalhos pastorais, criação de Comunidades Eclesiais de Base,
valorização dos meios de comunicação, autêntica promoção humana etc. (PERTÍÑEZ,
s/d: 484-485).
Apesar de tensa a relação da Igreja com
as autoridades governamentais e a classe dominante, não houve ruptura entre
elas. Donde utilizarmos a expressão “ensaios de uma teologia da separação”,
para definir o posicionamento político da Igreja sob o bispado de Dom Giocondo.
A ruptura e a adoção da “teologia da separação” apenas ocorrerão sob o bispado
de Dom Moacyr, em virtude da radicalização dos conflitos sociais[12].
Neste momento conviria deitar mais
algumas palavras sobre aquele contexto conflitivo, as motivações e a violência
“dos de cima”, as razões e a resistência “dos de baixo”. Mas então enfadaríamos
o leitor com repetições.
O cenário daqueles anos já foi
amplamente descrito e analisado[13].
Por isso, neste momento, cuidaremos muito mais da atuação política da Igreja
Católica.
Entendemos que esse é um diferencial do
presente texto. Os trabalhos que, a partir de uma visão secular, abordam o
referido tema tratam da atuação da Igreja de modo secundário. Por sua vez, os
trabalhos que, a partir de uma visão religiosa, tratam do tema dispensam
importância secundária àqueles conflitos e aos sujeitos neles envolvidos. O
presente texto enfoca precisamente o entrelaçamento de uma e outra coisa.
Sob o bispado de Dom
Moacyr (1972-1998): a vigência da “teologia da separação”
Vimos que, em 1971, Dom Giocondo
manifesta preocupação com os conflitos agrários e convoca a Primeira Assembleia
Geral de todos os Agentes Pastorais da Prelazia. Mas outros fatos importantes
ocorrem nesse ano e merecem destaque. Entre eles, cabe destacar o fato de o BASA
ter suspendido as linhas de crédito e financiamento dos seringalistas
endividados, considerando-os incapazes de saldar suas dívidas com o banco
oficial (COSTA SOBRINHO, 2011: 32). De igual modo, a indicação de Francisco
Wanderley Dantas para governador pesará em desfavor da economia gumífera.
Dantas era entusiasta da política
desenvolvimentista dos militares e nada adepto do extrativismo. Usou os mais diversos
meios a fim de atrair o empresariado forâneo para o estado: “Venha para o Acre,
investir no Acre e exportar pelo Pacífico”, dizia uma de suas propagandas. Em
outras, o estado era tratado como “nova Canaã, Nordeste sem seca, Sul sem
geada”. Também levantou enormes dificuldades para que o INCRA (órgão federal
responsável pela política de terras) viesse a se instalar como devido no
estado, pretendendo, com isso, que os de fora se apropriassem mais livremente
das terras daqui. Era o Estado decididamente ao lado dos de cima.
Do outro lado, entre 1971 e 1972, as
mudanças ocorridas na Igreja ajudaram na organização da resistência. Para Silva
(2006: 155), Dom Moacyr “consuma na Igreja Católica uma ação pastoral
libertadora”, aprofundando aquilo que havia sido iniciado sob o bispado de Dom
Giocondo. Ainda segundo Silva, a Igreja foi a “primeira Instituição a se
posicionar a favor dos seringueiros”, perante os conflitos que explodiram por
estas paragens com a chegada dos “paulistas”. Era a Igreja decididamente ao
lado dos de baixo.
Avançando na busca da
autonomia eclesial e na defesa dos pobres
Já no ano de sua posse (1972), o
novo bispo mostra preocupação com a relação que a Igreja mantinha com o
Estado/governo e a classe dominante. Isso implicava reconsiderar a importância
das obras sociais na atuação da Igreja, mas também na sociedade. Dirá ele:
Não deverá a Igreja acreana
desfazer-se de seus colégios e demais obras assistencialistas? Se a ausência de
convênios ou formas diversas de pressão impedem uma obra de realizar sua
finalidade em favor da coletividade e vier a se tornar um verdadeiro
contra-testemunho para a pobreza, terá ela ainda motivos para existir? O mesmo Senhor que suscitou no passado estas
obras através do suor e do amor dos obreiros de sua messe não está nos querendo
mostrar que hoje a Igreja acreana não precisa mais de tais obras? No momento em
que nossos bispos da Amazônia, reunidos na cidade de Santarém, chegaram a
definir como metas prioritárias de nossa ação a formação de agentes missionários
e a criação de Comunidades de Base, não estarão nos mostrando os novos caminhos
do futuro? (MOACYR apud PERTÍÑEZ, s/d: 536).
Como Dom Giocondo antes dele, Dom Moacyr
abria sua casa ao povo. Seu “Palácio era como se fosse um refúgio, e nos anos
dos governos militares esses refúgios eram tão raros”. Ali era como um “espaço
catalisador”, onde se “discutia grande parte dos problemas sociais de Rio
Branco e do Acre, dentre eles a repressão militar” (KLEIN, 2009: 179).
Para ele, a Igreja deveria assumir
função profética, denunciar as injustiças, viver a fé fora de suas paredes, no
meio dos pobres e em favor dos pobres. Não por acaso, a Instituição assumiu
como lema “A Igreja deve encarnar-se na realidade do povo, como Cristo mesmo
encarnou-se na realidade de seu povo”.
A radicalidade desta concepção era tal,
que orientava todo o planejamento da Igreja, como no biênio 1979-1980: “A
escolha dos pobres atravessa como uma linha vermelha todo nosso Plano Pastoral.
E isso é certo e bom. Não há como arredar o pé dessa decisão. Ela é a resposta
viva de nossa Igreja ao apelo de Deus escrito nos sinais dos tempos” (MOACYR,
citado em PERTÍÑEZ, s/d: 559).
A Prelazia do Acre e Purus procurava
encarnar os ensinamentos de João XXIII e se tornar uma “Igreja dos pobres”. A
história daqueles dias mostra uma Igreja que verbaliza sua opção pelos pobres
e, ao mesmo tempo, no conjunto de suas pastorais e no seu planejamento
pastoral, assume de modo consequente o que diz, faz uma opção e assume seus
riscos.
Costa Sobrinho (1992: 161) lembra
que Pe. Paulino Baldassari havia construído várias escolas nos seringais para
os filhos dos trabalhadores. Em algumas de suas visitas a estes seringais, o
padre notou que muitas escolas estavam fechadas, por falta de alunos. Depois
soube que a ausência dos alunos se devia ao fato de seus pais seringueiros
terem sido expulsos de suas colocações.
O Pe. comunicou o fato a Dom Moacyr. Em
face do comunicado, o bispo manifestou seu “firme propósito de orientar os
trabalhadores quanto aos seus direitos para que esses não fossem enganados
pelos novos patrões” e pediu ao “padre que não assumisse posição isolada, pois
não teria o efeito desejado” (COSTA SOBRINHO: 1992: 161).
As coisas não andavam bem. Em 1973,
600 famílias, da região de Xapuri e Brasileia, foram expulsas do Brasil para a
Bolívia. Diante do fato, o Conselho Pastoral promove uma atividade manifestando
solidariedade para com elas (KLEIN, 2007: 73). Por força de coisas como essas,
assumindo a causa dos oprimidos, a Igreja abraçou o desafio de esclarecê-los a
respeito de seus direitos e de como agir diante da ameaça de expulsão.
Nesse intuito, foi formulado o
“Catecismo da Terra”, documento que tratava da questão fundiária na perspectiva
dos direitos “dos de baixo”. Interessa destacar que “catecismo” é em geral um
texto ou documento em que a Igreja expõe, oficialmente, seus ensinamentos e
dogmas. O Catecismo da Terra, porém, tratava de uma questão eminentemente
secular e política, a questão fundiária, questão delicada e candente naqueles
dias - e também hoje.
Há explícita aí uma das principais
marcas da nova evangelização: fé e política andam juntas. Evangelizar é também
libertar ou ajudar no processo de libertação. As coisas do alto e as coisas da
terra se con-fundem.
Costa Sobrinho (1992: 163) não hesita em
afirmar que o “documento significou um punhado de areia nos olhos dos ‘paulistas’”
que, agora, eram contestados “por uma instituição de verdade e prestígio no
meio dos humildes”. A “profunda desconfiança nas autoridades estaduais estava
explícita no documento”, pois “orientava os trabalhadores a procurar
instituições federais”.
Com aquele documento, “a Igreja já
demonstrava oficialmente a preocupação com a questão agrária regional e que sua
ação junto às populações camponesas e indígenas estaria na raiz da resistência
e das lutas sociais” (SILVA, 2006: 155).
O passar do tempo apenas vai estreitando
a relação da Igreja com os oprimidos. Em 1974, na cidade de Xapuri, é realizado
o “I Encontro do Vicariato do Acre”. Neste evento, a Instituição denuncia a
violência contra os trabalhadores, reafirma seu compromisso com suas causas e
convoca “todos os agentes pastorais (!) para dar enfrentamento às graves
ocorrências” (COSTA SOBRINHO, 1992: 164).
Ainda no evento, é formulado o primeiro
documento de caráter mais notoriamente político: o “Catecismo da Ação Política
do Cristão”, voltado para discutir, sobretudo, as questões sociais/agrárias
(SILVA, 2006: 156).
Na custa lembrar que aquelas eram
condições difíceis. Sob o regime militar, a repressão campeava. Os partidos de
esquerda estavam na clandestinidade e seus simpatizantes eram perseguidos,
torturados e até mortos. Os meios de comunicação estavam cerceados ou
“rendidos” ao governo.
Costa Sobrinho (Comunicação alternativa e movimentos sociais na Amazônia Ocidental)
argumenta que os “movimentos de resistência dos posseiros, índios e
seringueiros não contavam com a simpatia dos meios de comunicação”. Para o
autor,
Os meios de comunicação locais,
até o ano de 1976, pouca atenção deram ao problema, evitando divulgar os
conflitos, a ação de pistoleiros e jagunços contra seringueiros, as denúncias
da existência de escravidão nas fazendas; e quando noticiavam acabavam
distorcendo os fatos. Instalou-se uma verdadeira conspiração do silêncio, mais
pela colaboração servil do que pela censura ou repressão (COSTA SOBRINHO, 2011:
17).
Em condições assim, dificilmente outra
instituição faria o trabalho que a Igreja fez, com a força e êxito que fez.
Para isso, ela teve que lançar mão de sua legitimidade ante os humildes, de sua
linguagem acessível aos “pequeninos”, bem como de suas estruturas, presentes
tanto na cidade como nos campos e florestas.
O conjunto de tudo isso mostra uma
Igreja marcando posição, denunciando a violência e as injustiças dos de cima,
apoiando os de baixo. Tudo isso mostra uma Igreja se esforçando para colocar à
disposição dos oprimidos seu capital/poder simbólico-ideológico. Trata-se de
algo importante, pois, como diria Gramsci (2007: 53), “as crenças populares têm
a validade das forças materiais”.
Contudo, faltava algo para uma
organização mais efetiva. Para isso, concorre o apoio à formação e ao
fortalecimento do sindicalismo que a Instituição proporcionou através do CIMI e
da CPT.
O sindicalismo
O ano de 1975 traria inovações
importantes para as lutas de resistência. Foi quando, em meio ao acirramento dos
conflitos e sob intensa repressão estatal, “surgiram os primeiros sindicatos de
trabalhadores rurais (Sena Madureira, Brasileia, Xapuri etc.). Isto marcaria a
institucionalização da luta dos camponeses da floresta” (SILVA, 2011: 129). A
resistência deixaria de ser individual e esporádica e passaria a ser coletiva,
institucional e orgânica.
A Igreja deu contribuição importante
para isso. Por um lado, através das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base).
Estas, pela via de uma evangelização a partir da realidade, ajudaram a criar um
ambiente favorável para a organização dos trabalhadores.
Naquele ano, a delegacia da CONTAG
(Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura) veio instalar-se no
estado. Atuando “sob as bases produzidas pela pastoral católica através das
CEBs”, a CONTAG daria “o respaldo jurídico a todo processo de organização
camponesa e ajudaria (na) divulgação dos direitos (dos) seringueiros”. Assim,
“sob o poder da fé católica, diante da situação suscitada, assentam as bases
para o surgimento de uma prática de resistência” (SILVA, 2001: 159; 128).
De outra banda, a contribuição da
Instituição Católica para o sindicalismo se evidencia no fato de que “os
primeiros sindicatos se organizaram nos municípios onde os párocos e outros
agentes pastorais haviam assumido de imediato a defesa do trabalhador, e
gozavam de larga influência e prestígio pela sua ação pastoral” (COSTA
SOBRINHO, 1992: 166).
Ajudar na criação dos sindicatos dos
trabalhadores rurais era imprescindível. Todavia, era preciso zelar pelos
sindicatos criados, assegurar que eles não fossem silenciados pela repressão ou
cooptados pelos de cima. O tema da liberdade e da autonomia sindical era,
portanto, central.
Quanto a este ponto, a organização da
Comissão Pastoral da Terra (CPT) no estado robusteceria as lutas de
resistência. A Comissão foi organizada ainda em 1975 e teve como primeiro
presidente de sua história ninguém menos que o próprio Dom Moacyr.
Paula (Movimento sindical e luta pela terra: do romantismo da voz ao
pragmatismo do silêncio) ressalta que “Sob contexto de amplo domínio
religioso do catolicismo, o apoio da Prelazia do Acre e Purus via Comissão
Pastoral da Terra (CPT) (...) foi fundamental nesse processo de organização,
particularmente no que tange à defesa intransigente da liberdade e autonomia
sindical” (PAULA, 2006: 111). A ideia de autonomia sindical, prossegue o autor,
“plantada” sob contexto de
expropriação violenta dos segmentos sociais subalternos no campo, concorre
efetivamente para conferir um caráter singular à luta de resistência pela
terra, protagonizada pelo MSTR no Acre: a combinação de mobilizações coletivas
com atuação institucional, orientada para o cumprimento do Estatuto da terra
(PAULA, 2006: 111).
A intransigente defesa da liberdade
sindical não deixou de gerar certa divergência com a CONTAG, que durante anos
foi importante aliada. No início dos anos de 1980,
Enquanto um grupo majoritário de
dirigentes sindicais liderados pelo delegado da CONTAG, João Maia, opta por
privilegiar a atuação institucional valendo-se dos espaços abertos no governo
estadual, a direção do STR de Xapuri e CPT decidem manter-se numa posição de
independência, a fim de preservar a autonomia sindical (PAULA, 2006: 116-117).
A divergência tinha sua razão de ser.
Era séria. Na avaliação de Chico Mendes, os termos de negociação usados pela
CONTAG acabavam por “legitimar a usurpação das terras ao reconhecer os
latifundiários como proprietários” (PAULA, 2006: 117). Por outro lado, a opção
de privilegiar a “atuação na esfera institucional” feita por João Maia denotava
uma crença um tanto ingênua e perigosa no governo[14].
Tratava-se já de um ensaio mais tarde
levado a cabo por parte significativa do movimento sindical e social no Acre e
mesmo no Brasil sob os governos petistas. Tratava-se, para usar as palavras de
Paula, de abdicar da tentativa de mudar a sociedade de “baixo para cima” em
favor de uma estratégia de mudança social (quando isso ainda permanecia no
horizonte dos objetivos) de “cima para baixo”. É quando os partidos passam a
ser encarados como os instrumentos de luta por excelência e as disputas
eleitorais vão, paulatinamente, substituindo as ações de base.
As implicações de tal escolha foram (e
estão sendo, pois dizem respeito a um processo ainda em curso e cujo desfecho é
difícil sinalizar) catastróficas para a luta dos de baixo.
Intensificação dos
conflitos e ruptura com o governo e com a classe dominante
Pela clareza e firmeza de suas posições,
Dom Moacyr foi considerado “subversivo”. Sua atuação incomodava e ameaça o
domínio dos de cima. Em revide, os representantes do sistema procuraram afetar
a Igreja de diversas formas. Klein (2007: 71) comenta que chegaram a “negar o
visto no passaporte dos padres estrangeiros que pretendiam trabalhar na
Prelazia”. Os sacerdotes continuavam a ser encarados como “subversivos” e
perigosos à ordem social.
As coisas foram piorando. Em 1976, o
governador Geraldo Mesquita mandou suspender o contrato da Radio Difusora
Acreana com a Prelazia, impedindo assim que o programa “Somos Todos Irmãos”
fosse ao ar (COSTA SOBRINHO: 2011: 59). Esse programa era de fundamental
importância para que a Igreja fizesse chegar, diretamente, sua mensagem de
crítica, fé e esperança às mais diversas latitudes do estado, abarcando grande
número de seus membros.
Naquele mesmo ano, Doroti Mueller e Pe.
Alberto Urban (agentes do CIMI) foram hostilizados em Feijó. Eles subiam o rio
Envira. Foram fazer levantamentos sobre a existência de indígenas na região.
Então, alguém noticiou na rádio que “dois estranhos estão subindo o rio Envira
para contactar os caboclos; quem souber de seu paradeiro, favor trazê-los
amarrados para Feijó” (SILVA, 2000: 158-159).
O CIMI é uma espécie de pastoral
indígena da Igreja Católica. E fora criado para apoiar e assessorar os povos
originários em suas mais diversas lutas. Agora, a Igreja atuava tanto com os
trabalhadores rurais (via CPT) quanto com os povos originários (via CIMI). A
organização dos de baixo aumentava e se fortalecia. Isso significava mais
resistência aos de cima, mais embaraços para eles.
Taxada de subversiva, a Igreja passou a ser
vigiada, espionada. Numa Assembleia conjunta de CIMI e CPT, ocorrida em 1976,
agentes a serviço do regime chegaram a usar um microfone, colocado furtivamente
no local do encontro, a fim de saber o que a Igreja planejava. Com este
episódio, abriam-se os precedentes que levariam à ruptura entre Igreja e
Estado. A “teologia da conciliação” cederia espaço à “teologia da separação”.
Em razão disso, a Igreja, sob a
liderança de Dom Moacyr, redige o documento intitulado “Comunicação às
autoridades”:
No final do primeiro dia de
trabalho desta assembleia, depois de várias visitas de pessoas estranhas, que
se apresentavam com credenciais falsas, pudemos confirmar uma ação de
investigação com relação aos debates realizados, chegando ao ponto de
instalarem microfones para a gravação na sala de reuniões, do que temos provas
em nossas mãos. (...) Cabe-nos apenas deixar claro que tal atitude e
procedimento atestam que estamos num
estado de controle em que a liberdade não passa de uma palavra sem conteúdo.
Finalmente, ao fazer esta declaração às autoridades e à opinião pública,
queremos afirmar que este fato vem confirmar a nossa apreensão de que grupos e organismos de repressão estejam
apoiando e acobertando a ação de empresários inescrupulosos que promovem um
capitalismo selvagem, sem controle, o que os torna corresponsáveis de genocídio
lento dos povos indígenas, que vem acontecendo no Acre, Rondônia e Sul do
Amazonas, dizimados cultural e fisicamente (grifos nossos).
E já em 1977 a Igreja declarava que não
mais participaria “das comemorações que se costumava fazer no dia 31 de março e
nem em outras datas cívicas rodeadas de política que defendem o atual sistema”,
evitando também “todo e qualquer compromisso com o atual sistema e qualquer
forma de instrumentalização da Igreja ou de pessoas para fins políticos”.
Em junho de 1979, 30 famílias, do Km 38
da Estrada de Boca do Acre, são expulsas. A Igreja promove uma celebração em
apoio e solidariedade aos expulsos. Durante a celebração, alguns dos que foram
expulsos fazem uso da palavra e expõem à assembleia seus sofrimentos e lutas.
Em razão disso, a missa foi classificada como uma “missa comunista” (PERTÍÑEZ,
s/d: 594).
Notemos a diferença. Antes a prelazia
estava convencida de que, para “dilatar o Reino de Jesus sobre a terra”,
precisava se aliar com a classe dominante e, através dela, evangelizar o povo.
Isto implicava relações de cooperação com o governo e a oligarquia locais,
legitimação de uma ordem opressora e exploradora em que a Igreja também levava
seu quinhão.
No início dos anos de 1980, um
trabalhador descreve o que era a Igreja de décadas passadas. Chamamos a atenção
para a proximidade de sua descrição com a de Dom Joaquín citada páginas acima:
Os padres rezando a missa em
latim que ninguém entendia nada (...). Se os padres iam a uma desobriga dentro
do seringal, os padres iam para a casa do patrão. O seringalista era quem
convidava os seringueiros, pra comparecerem em sua casa, quando o padre
passava. Os padres não falavam em posse da terra. Só elogiavam os patrões[15].
Agora, a coisa era bem outra. A evangelização
da Igreja se fazia contrariamente aos interesses dos de cima cujo domínio é
considerado impeditivo para a dilatação do “Reino de Jesus sobre a terra”.
Manter-se como aliada desses sujeitos significava para a Igreja abdicar da
“evangelização libertadora” e do “apelo de Deus”.
O que Dom Moacyr disse de si vale também
para o conjunto da Igreja daqueles dias. Em meu íntimo, dizia, “teria gostado
da neutralidade que, naquele tempo, não só me parecia possível mas até, dada
minha missão de pastor, necessária”. Contudo, continua, “fatos bem concretos
levaram-me a tomar uma posição; ou assumia a causa dos pobres ou negava minha
missão e mesmo minha própria fé”.
Foi grande avanço a Igreja abandonar o latim, e assumir nas celebrações
a língua falada pelo povo deu a ela mais capilaridade e poder de convencimento.
Outro avanço foi postular que a preocupação espiritual não se dissocia da
social, bem como ter “optado preferencialmente pelos pobres” e assumido uma
“evangelização libertadora”.
O
compromisso com a libertação era tão consequente que a Igreja abrira espaço na
mais importante de suas celebrações, a missa, para que os oprimidos expusessem
seus sofrimentos e lutas. No Catecismo da Terra, a Igreja ligava fé e política.
Na missa, unia coisas do alto e coisas da terra, ritos sacros e denúncias das
angústias cotidianas, as esperanças na vida futura e a luta da vida presente.
Foi o conjunto disso e de outras coisas que fez com que a Igreja e o clero
fossem tidos como “subversivos”, “comunistas”.
Apesar de discordes num sem-número de
questões, Bourdieu (2007: 32) advoga que Marx e Weber estão de acordo “que a
religião cumpre uma função de conservação da ordem social contribuindo, nos
termos de sua própria linguagem, para a ‘legitimação’ do poder dos dominantes e
para a ‘domesticação dos dominados’”.
Entretanto, mesclando teologia da
libertação e instrumentos críticos de análise social (tomados de empréstimos ao
marxismo), a Prelazia do Acre e Purus, a exemplo do que vinha ocorrendo com a
Igreja Católica em toda a América Latina (com variações nacionais e
subnacionais, certamente), se transformou em lâmpada que “iluminou”, em
fermento que alimentou e deu corpo, robustez à massa dos oprimidos. Aqui, o
poder não era sacralizado, e sim desnudado e confrontado. Os dominados eram
encorajados a sacudir o jugo.
No Acre, era séria a ameaça ao domínio
dos prevalecidos que, àquela altura, queriam dar mais ferocidade à sua
ofensiva. O que fica evidente no início da década de 80. Paula ((Des)Envolvimento insustentável na Amazônia
Ocidental: dos missionários do progresso aos mercadores da natureza)
destaca que o seringalista Guilherme Lopes disse na Rádio 6 de Agosto de Xapuri
que
a
solução para os conflitos de terras no Acre era matar os presidentes dos
sindicatos, os padres e os delegados sindicais (...). A Federação da
Agricultura, num documento “confidencial” de 11 de abril de 1980 (...), exige
providências urgentes: “é necessário, melhor diria, urgente que o governo
federal, estadual e as entidades representativas ofereçam uma reação à altura,
à poderosa frente subversiva que Igreja Católica (Prelazia do Acre e
Purus) e a Contag, conseguiram
montar no Acre” (PAULA, 2005: 204) (grifos nossos).
A ameaça era para valer. Em julho
daquele mesmo ano, era assassinado Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Brasileia. Seu velório se deu em uma das sedes da
Igreja Católica, que ficou lotada. Na ocasião, foi lido um trecho do Evangelho
de Lucas (11, 47-51) que fala dos profetas mortos.
Após o padre, outros falaram, como o
presidente da CONTAG e representantes do sindicato de Xapuri. Também foi lida
uma mensagem de apoio aos trabalhadores rurais, assinada pelo bispo Dom Moacyr
e pela CPT.
Dias depois, foi realizado um Ato
Público na cidade de Brasileia. O Vigário da paróquia manifestou seu repúdio
pelo “gesto fratricida” e, em seguida, leu “o ato de repúdio do crime e de
apoio ao povo do campo, que a CPT do Acre tinha preparado” (PERTÍÑEZ, s/d:
666).
Sentindo a gravidade da situação, a
Igreja toma uma decisão criativa e corajosa. Num “gesto profético”, fecha os
locais de cultos no domingo e suspende a celebração eucarística. Num olhar
retrospectivo, é possível perceber o prestígio de que gozava a Igreja à época e
como usava ela tal prestígio em favor dos oprimidos, sem receio de confrontar
os dominantes.
Embora longa a citação, vale deixá-la
aqui, posto mostrar com muita clareza o ato e suas repercussões:
No domingo 9 de agosto de 1987
foi realizado o dia de luto, oração e jejum na frente das igrejas, que
permanecem fechadas ao culto durante todo o dia: o Bispo, padres e numerosos
fiéis, como gesto grave e inusitado, sinal de uma situação social gravíssima,
fruto do pecado de todos. Repercutia também na imprensa e nos meios de comunicação
nacionais e mundiais. Jornais e rádios de numerosos estados brasileiros
veicularam a notícia, como algo de novo. Também meios de comunicação de âmbito
mundial, como a BBC de Londres, a Voz da América de Washington, aqui
perfeitamente ouvidas, noticiaram o acontecimento. A Estação Rádio do Vaticano
também noticiou o acontecimento. Só não teve repercussão entre os políticos e
governantes de nosso Estado, que ficaram calados e não manifestaram nenhuma
reação. No domingo seguinte, dia 16, foi a celebração da vida, com uma grande
manifestação em praça pública, na frente do Palácio do Governo. Cerca de 4 mil
pessoas, prevalentemente de Comunidades participaram com cartazes, faixas,
dizeres, exigindo das autoridades atitudes mais claras contra toda forma de
violência, inclusive a violência policial, como acontecera semanas atrás,
quando durante uma manifestação popular contra o aumento da passagem de ônibus,
houve violenta repressão popular de soldados da PM, com muita pancadaria e
feridos, coisa nunca acontecida antes na cidade[16].
Ponto focal da manifestação foi a palavra de Dom Moacyr, que foi muito
aplaudido (PARTÍÑEZ, s/d.: 599).
Em que pese a esses esforços, a
violência continuou. Em 1988, foi assassinado Ivair Higino, liderança sindical
de Xapuri e monitor das Comunidades Eclesiais de Base. Seu corpo foi velado no
salão paroquial.
Como é sabido, também naquele ano, dia
22 de dezembro, fora morto Chico Mendes. A exemplo do que ocorrera a Higino,
também o corpo de Chico Mendes foi velado no salão paroquial da Igreja
Católica. Dom Moacyr, que recebera uma ameaça de morte um dia depois do
assassinato de Chico, rezou uma missa de corpo presente. Em seguida, os
presentes no velório saíram em procissão até o cemitério.
Também nos anos de 1980, João
Eduardo foi assassinado. Morreu em 1981, por querer ver a terra repartida de
modo igualitário nos espaços urbanos. Ele era monitor das Comunidades Eclesiais
de Base.
Do que foi dito acima, importa
frisar que a década de 1980 foi explosiva. A violência vicejou. Importa também
destacar a presença da Igreja nesses difíceis momentos, dando apoio àqueles por
quem ela optou. Daí o velório e o sepultamento desses mártires, parte
significativa deles formada nos quadros da própria Igreja, não serem atos
“meramente culturais” ou “puramente religiosos”. Sem dúvida que eram isso. Mas
eram também atos políticos, em que, juntos, os de baixo partilhavam as
angústias e somavam as forças, denunciavam a violência e a injustiça dos de
cima.
Conflitos territoriais
urbanos e as CEBs
Os conflitos territoriais daqueles
anos não se restringiram aos campos e florestas. Posto que houvesse forte
resistência pela permanência na terra, muitos foram expulsos de suas
localidades. Estes vieram para a área urbana, formar as periferias da capital acreana.
Também aqui a Igreja cumpriu papel
importante na mobilização e organização dos oprimidos, destacando-se as CEBs e
seus monitores.
Em 1975, no bairro Triângulo Novo,
que à época não passava de um matagal, houve um despejo com destruição de 60
barracos prontos e 4 em construção. Klein (A
conquista de Rio Branco: movimentos comunitários e direitos humanos na capital
acreana de 1970 a 2000), lembra que Zé Português, um dos donos da terra,
procurou uma das lideranças dos ocupantes e disse:
Quem é você? (...) Dizem que você
é monitor da Igreja? A pois olhe, padre e monitor pra mim vai ser tratado é no
pau, viu (...). Eu não quero vocês aqui dentro, é pra saírem. Aqui as terras
são minhas, eu comprei, tenho documentos e não quero ninguém aqui dentro
(KLEIN, 2009: 60-61).
A citação acima mostra o quanto a Igreja
era considerada subversiva. De fato, a Prelazia do Acre e Purus ajudou os
ocupantes desde o início da luta. Dom Moacyr enviou alguns padres para o local,
para ajudarem a comunidade na
formação de monitores de grupos de evangelização e a Iolanda e o Arquilau, do
Centro de defesa de Direitos Humanos, para acompanharem o caso e ajudar na
organização de grupos e da comissão de moradores. Com dificuldade de
comunicação, pois não havia uma sede para reuniões, foi sendo construído um
pequeno centro comunitário, onde as lideranças e os monitores da Igreja faziam
reuniões semanais sobre a ocupação para discutir os problemas do bairro e
pensar soluções para eles (KLEIN, 2009: 61).
Diante do conflito, um deputado estadual
dizia ter a saída. Não sem uma porção de ironia, perguntava: como o bispo Dom
Moacyr era amigo dos invasores, por que ele não os levava para as terras do
Hospital Santa Juliana, que pertenciam à Igreja? Assim o caso estaria resolvido
e ficava a situação entre amigos, deixando os legítimos donos da terra em paz
(KLEIN, 2009: 75-76).
Outro episódio em que aparece a atuação
da Igreja nos conflitos urbanos é na formação do Bairro João Eduardo. Os dois
líderes mais destacados da ocupação eram João Eduardo e Granjeiro. Ambos eram
monitores da Igreja. Granjeiro fala assim da importância da formação que teve
na Igreja:
Em não tenho uma capacidade
teórica ganha nos bancos da escola (...). Eu não conhecia politicamente nada,
aí logo o que eu fiz foi ingressar nas comunidades de base né. Através do
Matias a gente conheceu o Dom Moacyr e logo em seguida a gente formou um grupo
de evangelização. A importância das Comunidades Eclesiais de Base para mim é
que a gente discutia os problemas da comunidade, reunia os vizinhos,
companheiros e irmãos, no grupo de evangelização, tendo como centro a palavra
de Deus. Então isso fortalecia a gente espiritualmente e ajudava na organização
da comunidade (KLEIN, 2009: 89).
O Matias de que Granjeiro fala era outra
liderança da Igreja. Ele foi o responsável por chamar João Eduardo e Granjeiro
para a Instituição. Sobre a importância de sua atuação nos quadros da
Instituição, Matias diz: “A evolução do meu pensamento que eu tenho hoje, eu
agradeço a Deus. A evolução do meu pensamento que eu tenho até hoje eu agradeço
muito ao Evangelho, à leitura do Evangelho, para enfrentar esta luta” (KLEIN,
2009: 91).
Vê-se que a fé e a reflexão sobre a
palavra de Deus não são coisas secundárias nas reuniões. Estas não eram
reuniões puramente políticas. Mas nem por isso se descartavam as questões
sociais. Em verdade, as questões sociais eram pensadas à luz dos ensinamentos
bíblicos. Tal mostra que as CEBs eram, a um só tempo, escolas de fé e de luta
política.
Os conflitos territoriais urbanos
irrompem até os anos de 1990. Aqui relatamos dois episódios que mostram, além
da atuação da Igreja Católica, a singular e salutar relação entre fé e
política.
13 de junho de 1991. Sabendo que
a polícia deve entrar no Belo Jardim para destruir casas, os posseiros se
mobilizaram. O Pe. Roberto vai com eles como gesto de solidariedade. A polícia
chega (...). O capataz do senhor Betão que quer expulsar os posseiros (...)
explica que todo mundo deve sair por Deus. O pessoal não fará nada. A polícia
se retira (...). Antes de voltar para a cidade, à tardizinha, todo mundo escuta
o juízo final e reza o Pai Nosso. Não
haverá nenhum problema para sair da área.
8 de abril de 1992. No Bairro da
Boa União, pertencente à Paróquia Cristo Libertador, a medida de despejo das
famílias foi tomada. A polícia feminina e masculina (100 pessoas) estava
presente. Vários padres foram até lá a fim de se solidarizar com o povo e com o
Pe. Manoel, vigário. Durante todo o dia, o povo e a polícia ficaram frente a
frente, porém sem violência, sem provocações. O povo cantava e rezava. O Bispo
veio. No fim da tarde, a polícia se retirou.
Início da involução
Como vimos, ao longo de toda a década de
1970 a Igreja vai amadurecendo suas visão e atuação políticas. Sentindo
aproximar-se a abertura política, a Instituição decide aprofundar a reflexão de
caráter político partidário, a fim de preparar seus membros para as disputas
eleitorais.
Foi assim que, em 1979, foi promovido o
curso de Fé e Política. Na ocasião foram formulados alguns “mandamentos” que
passaram a fazer parte do Plano Pastoral. Entre outras coisas, os “mandamentos”
afirmavam: a participação partidária é livre, boa e necessária para o cristão;
partidos, políticos, medidas de governo e conjunturas devem ser analisados
criticamente; a comunidade deve optar por partido de base popular que combata a
ditadura, busque a mudança social e a independência econômica do Brasil, que
tenha orientação socialista; as lideranças devem se engajar num partido
popular, sem abandonar suas bases.
Diante de tal quadro, a Frente Popular
do Acre aparecia como a opção ideal e, dentro dela, o PT. Muitas lideranças das
CEBs passam então a se empenhar muito fortemente para criar e fortalecer o
referido partido. Numa entrevista extraída de Fernandes, Paula destaca o
entrelaçamento entre Igreja, movimento sindical e partido:
Nesse tempo as mesmas pessoas
faziam, praticamente, três movimentos políticos distintos: o político/religioso
dentro do grupo de evangelização; o político partidário, que era a discussão
petista; e o político sindical, que era a atividade do sindicalismo naquele
momento ali (FERNANDRES apud PAULA, 2005: 238-9).
O PT, então, se apresenta como o
Virgílio que, a exemplo do que fizera o autor de Eneida em A Divina Comédia
a Dante, conduziria a sociedade acreana do Inferno ao Paraíso. No tocante a
isso, é cristalino o discurso de Raimundo Soares de Araújo, presidente do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tarauacá, proferido no dia 12 de março de
1980 (dia do lançamento do PT no Acre). Dizia ele:
É por isso que nós vamos fundar
nosso partido, para que nós possamos botar nossos elementos lá em cima também.
(...) É preciso então lutar com a força da união para que nós possamos também
mandar em alguma coisa, possamos também dirigir nosso país. Acredito que, como
o sindicato rural tem sido dirigido pelos trabalhadores rurais pegado nas
matas, eu acredito que um dia também ele possa enfrentar essa luta do partido e
ser um vereador, um deputado, um prefeito (...) (FERNANDES FILHO, 1998: 26).
Essa aliança da Igreja e do
sindicalismo rural com o PT representava uma forma de os trabalhadores rurais
fazerem contraponto às forças políticas hegemônicas da época. Como bem apontara
Fernandes Filho (1998: 25-26), para o MSTR, que participou em peso do
lançamento do PT no Acre, era chegada uma nova fase de luta, “e essa nova fase
era sem dúvida apoiar a fundação do Partido dos Trabalhadores”.
Nos anos de 1970, o MSTR encampara uma
intensa luta pela posse da terra. Nos anos de 1980, através de uma proposta
regionalizada de reforma agrária, ele formula o que viria a ser a Reserva
Extrativista (RESEX), que representa uma tentativa de superar os limites
impostos pelo Estado para resolução dos conflitos fundiários no estado (PAULA,
2005: 316). Até então, o sindicalismo rural havia se pautado de acordo com suas
agendas e prioridades. O vínculo genético com o PT, porém, traria redirecionamento
a essa prática (SOUZA: 2005).
E já nos anos de 1990, “o sindicalismo
agia de acordo com a prioridade nº. 1 do PT no Acre: eleger o governador do
Estado em 1998”[17].
O resultado disso foi “uma inversão no direcionamento do MSTR e de outros
movimentos sociais (e da Igreja Católica, acrescentamos), que até então
tentavam democratizar a sociedade regional ‘de baixo para cima’” (PAULA, 2005:
312), através das ações de base. A partir daí, o que importa mesmo é “comandar”
o Estado e realizar as mudanças “de cima para baixo”. “A rigor”, continua o
autor, “essa estratégia resultou num tipo de transformismo de maior alcance na
história recente do Acre”.
Com efeito, a abertura política
favorecia a opção e a atuação partidárias. Afinal, na democracia representativa,
o partido figura, em geral, como o instrumento de luta por excelência,
sobrepondo-se no mais das vezes a movimentos sociais e sindicatos. Grosso modo,
é o que mostra a atuação da socialdemocracia europeia e a atual conjuntura
política latino-americana, com sua força, limites e contradições.
Essa “tirania dos partidos” ou
“partidocracia” e a distância que em geral eles mantêm em relação às massas e
seus anseios são a razão de movimentos recentes como Occupy Wall Street nos
EUA, os Indignados na Espanha e o levante popular no Brasil (que tomou as ruas
no mês de junho de 2013) manifestarem verdadeira descrença nos partidos
políticos, com um apartidarismo que, muitas vezes, desemboca sem dificuldades
no antipartidarismo.
Outros fatores também contribuíram para
a aproximação da Igreja com o PT. A relação orgânica entre ambos é um deles.
Muitas lideranças das CEBs eram também lideranças do partido. Além disso, no
final dos anos de 1980, as CEBs entram em crise.
A própria Diocese reconhece que elas “envelheceram”,
que eram “inadequadas às novas condições eclesiais e sociais”. Já não serviam à
luta como um dia serviram. A Instituição Católica entendia que era necessário
encontrar outros instrumentos de luta mais adequados às novas conjunturas:
O ano de 1988 inicia-se
apresentando um quadro pouco animador em relação à realidade eclesial e à
realidade social.
“Torna-se sempre mais evidente a
crise das CEBs não apenas em nossa Diocese, quanto em toda igreja brasileira.
As CEBs parecem não conseguirem (sic) encontrar-se no Evangelho e na vida: a
tendência é voltar-se para dentro, mais para o espiritual e menos para ser
fermento de transformação”.
(...)
Os meios anteriores já não eram
tão válidos e precisava-se de renovação para responder a esses novos apelos:
“Quanto à nossa igreja local, à nossa Diocese, a caminhada continua, mas se tem
a impressão de um certo desânimo, rotina, envelhecimento das CEBs. Perdemos
espaços nos movimentos populares para lideranças partidárias (...)” (PERTÍÑEZ,
s/d: 644-645).
Por isso, quase paradoxalmente, o PT se
alimentou tanto da força quanto da fraqueza das CEBs. Num momento primeiro,
quando aproveitou as sólidas bases da Igreja para sua implantação e
crescimento. Num momento segundo, quando estas bases já não eram tão vigorosas
por força da crise que sobre elas se abateu, ele se apropriou de seu legado,
manuseando-o sem mais peias eclesiais, de acordo com os mais estritos objetivos
partidários. Assim, quando as CEBs recuavam em sua atuação social, estes
espaços foram sendo ocupados pelo PT, considerado o instrumento mais adequado à
luta daqueles anos.
A ofensiva do Vaticano contra a teologia
da libertação, contra seus militantes e formuladores, também pesou no sentido
de enfraquecer e reorientar a atuação da Igreja local. Essa ofensiva começou
com João Paulo II e continuou com Bento XVI. Para efeito de intimidação, a
autoridade vaticana levou Leonardo Boff e Gustavo Gutiérrez, dois dos
principais formuladores da teologia da libertação, a sentarem na mesma cadeira
em que sentou Galileu nos antigos tempos da Inquisição. Boff (2005: 18)
sublinha que, até 2005, cerca de 140 teólogos de várias partes do mundo, da
Europa, dos EUA, da Ásia e do Brasil, foram vítimas da Congregação para a
Doutrina da Fé (ex-Inquisição ou ex-Santo Ofício).
Por outro lado, o Vaticano passou a
substituir bispos progressistas por bispos conservadores, a fim de barrar ou
enfraquecer as lutas por libertação nas mais diversas localidades. Em nosso ver,
a transferência de Dom Moacyr para Rondônia foi forçada pelas ameaças de morte
que aqui ele sofria. Mas não deixa de se vincular a essa estratégia da
autoridade central da Igreja Católica.
Para uma leitura crítica do processo e
da disputa entre Vaticano e teólogos da libertação, ver o clássico de Boff: Igreja: carisma e poder. Para uma
leitura conservadora, a favor do Vaticano, ver o livro organizado por Felipe
Aquino: Teologia da libertação.
Para nós, de tudo o que aí se discute,
fica claro que a autoridade vaticanista, subvertendo formulações do Concílio
Vaticano II, procura, por um lado, externamente, defender o monopólio da
salvação - ou, pelo menos, privilégios quanto a isso - diante das outras
denominações cristãs. Por outro lado, internamente, procura assegurar a
inviolabilidade e a inquestionabilidade da hierarquia clerical em geral e da
autoridade papal em particular; e, ainda, afirmar a autoridade suprema do
magistério no ensinamento da “doutrina correta”. A teologia da libertação
criava embaraços para uma e outras coisas.
O conjunto de tudo isso faz da atuação
política da Igreja Católica sob o bispado de Dom Moacyr algo singular. Num
primeiro momento, ao aprofundar formulações feitas ainda no tempo de Dom
Giocondo e criar outras, o bispado de Dom Moacyr representa o cume da atuação
política libertária da Instituição[18].
Num segundo momento, em razão de sua relação orgânica com o PT, da opção
partidária em favor da FPA encabeçada por aquele partido, da crise das CEBs e
da ofensiva do Vaticano contra a teologia da libertação, este bispado representa
o início da involução política da Igreja.
Assim como o bispado de Dom Moacyr tem
dois momentos (o cume da atuação libertária da Igreja, aprofundando o que já
fora começado por Dom Giocondo, e o início da involução política), também a
involução política tem dois momentos.
O primeiro momento dessa involução
começa no final dos anos de 1980, e o que fora discutido no parágrafo
imediatamente anterior é o que o caracteriza. O segundo momento tem lugar no
final dos anos de 1990. A coincidência de dois eventos marca esse novo tempo:
1) a troca de bispos. Sai Dom Moacyr, assume Dom Joaquín, o que ocorre entre
1998 e 1999. 2) A eleição de Jorge Viana a governador do estado em 1998.
A partir desse momento,
institucionalmente, a Igreja recua paulatinamente em sua luta política
libertária e se posta de modo subserviente aos governos da FPA, permitindo-se
instrumentalizar por essa força política.
Por isso, dizemos que a involução
política da Igreja começa sob o bispado de Dom Moacyr e se aprofunda sob o bispado
de Dom Joaquín. Neste momento segundo, o capital religioso
(simbólico-ideológico) da Igreja, que anos antes havia sido negado “aos de
cima” e posto a serviço “dos de baixo”, volta novamente às mãos das oligarquias
locais e serve-lhes de legitimação de seu domínio, bem como serve para
“domesticar” o espírito dos oprimidos.
As bases que a Igreja ajudara a
construir e fortalecer seriam postas a serviço da FPA-PT, que tinha à sua testa
dois sujeitos oriundos das antigas oligarquias: os irmãos Jorge Viana e Tião
Viana.
O bispado de Dom
Joaquín Pertíñez (de 1999 a 2013): maturidade ou involução política?
Em 1998, Dom Moacyr foi nomeado
Arcebispo de Porto Velho, Rondônia. Em 1999, Frei Joaquín é sagrado bispo por
suas mãos. Assim que foi nomeado, o atual bispo escreve uma carta ao povo da
Diocese de Rio Branco. Ali são deitadas palavras que dão a entender que seu
pastoreio seria continuidade do de Dom Moacyr: “Desde já, eu sou mais um que
caminha convosco, ao seu lado, fazendo Igreja, nessa caminhada de fé, junto aos
mais pobres, necessitados e sofridos, rumo a uma sociedade mais cristã, justa,
solidária e fraterna”.
Em suas palavras, as primeiras como
Bispo da Diocese de Rio Branco, a linha de continuidade é verbalizada com mais
clareza:
É nesta linha de continuidade, de serviço à Igreja de Cristo, presente
aqui, nesta terra de mártires, onde tantos derramaram já seu sangue, na luta
por um mundo mais justo e fraterno, e onde o Evangelho sempre foi proclamado
com coragem, é aqui que eu quero viver
minha missão (...), tendo sempre como prioridade os mais necessitados e
carentes de nossa sociedade (...) eu
gostaria que os problemas do povo fossem sempre os problemas da Igreja; que os gritos dos inocentes e massacrados
clamando justiça, que se levantam constantemente no meio do povo, não fossem
mais calados com a morte nem com a violência; (...) que a natureza fosse sempre respeitada; que a terra fosse de todos e
para todos, onde os filhos de Deus pudessem viver como irmãos; que os direitos
humanos fossem respeitados (...) (PERTÍÑEZ, s/d: 818) (grifos nossos).
A ideia de continuidade é destaca também
por Klein. Para ele, o bispado de Dom Joaquín tem a “missão de continuar na
direção da Igreja que até então se caracterizava como ‘terra de missão’”
(KLEIN, 2007: 84). Mais adiante, o mesmo autor sublinha que a atual fase da
Igreja “se caracteriza na ênfase da missão evangelizadora de sinal de esperança
do reino de Deus, vivenciando o serviço, o diálogo, o anúncio e o testemunho na
sociedade” (KLEIN, 2007: 87).
Interessa observar que, embora fale de
continuidade, Klein põe ênfase na “missão evangelizadora”, algo característico
da evangelização pré-Concílio Vaticano II. Isso, porém, não o impede de afirmar
que no presente a Igreja assume sua maturidade. O que o faz mais espiritualista
e conservador que o atual bispo, posto que este, pelo menos nos discursos,
trata da continuidade no tocante à questão social.
Por isso, mesmo em termos da
evangelização praticada, é possível afirmar que a Igreja local segue uma linha
de involução. Numa palavra: é uma Igreja pré-conciliar. O bispado de Dom
Joaquín é sim continuidade do de Dom Moacyr. Mas não de seu momento libertário,
e sim de seu momento de involução.
Depois dessas observações de caráter
mais interno à Igreja e de definição do corte temporal, cumpre tratar de sua
relação com as forças hoje dominantes no estado. Somos conscientes de que,
neste ponto, precisaríamos detalhar melhor os processos e estruturas de
opressão e exploração, de conflitos. Todavia, assim, haveríamos de nos perder
em repetições, já que isso foi feito na Parte II deste livro.
Desse modo, apenas no que for
estritamente indispensável para a compreensão desta discussão que ora traçamos,
fazemos referência àquelas estruturas e processos, abordando outros episódios
ainda não tratados alhures. Em razão disso, recomendamos ler este texto
juntamente com os outros que compõem este livro.
A relação da Igreja com os dominantes é
hoje tão forte que chega a impregnar a leitura do passado e a obnubilar a
leitura do presente. Sem nenhum acento crítico, é assim que Dom Joaquín e Pe.
Mássimo comentam certa eleição: “A campanha eleitoral no Acre se polarizou
novamente entre dois candidatos a governador: Edmundo Pinto, que representava
as classes conservadoras e Jorge Viana, da Frente Popular. A Igreja, sem apoiar
abertamente nenhum candidato, manifestava sua simpatia para o candidato a favor
do povo” (PERTÍÑEZ, s/d: 641).
A leitura desta passagem dá a entender
que, com a eleição de Jorge Viana, haveria uma reorientação da política de
Estado. Nesta perspectiva, o povo e não mais as oligarquias seria o alvo das
políticas.
Contudo, como bem mostrara Paula (2012),
o que temos com a eleição do candidato da Frente Popular é: 1) uma
re-articulação do bloco de poder estadual sob a direção de frações das velhas e
novas oligarquias: “novas caras” ajudam a conduzir o mesmo “velho projeto”; 2)
a assimilação subordinada dos movimentos sociais a esse bloco de poder através
do que Antônio Gramsci denominou “transformismo”: os movimentos sociais e as
forças populares tomam parte na condução do Estado, mas de forma subordinada; 3)
e adesão subordinada à matriz neoliberal e aos agentes nacionais e
internacionais que a fomentam na forma de financiamentos e investimentos: o
grosso das políticas estatais é decidido de “fora para dentro” e, com isso,
vai-se minando a soberania local[19].
O atrelamento da Igreja ao governo da
FPA pode ser constatado nas páginas do livro de Dom Joaquín e Pe. Mássimo,
voltado para contar a história da Diocese de Rio Branco. Aí encontramos
entrevistas com membros do PT: Jorge Viana, Raimundo Angelim, Marcos Afonso
etc. Do nada, estas figuras surgem naquelas páginas. Além de demonstrar a
relação da Igreja com o partido, isso serve para dar visibilidade a seus
membros. Ou seja: ao mesmo tempo em que o livro é história, é uma história que
serve de propaganda para as atuais forças dominantes no estado.
Vale salientar que uma das
características positivas da obra acima citada é ser capaz de manifestar
crítica em relação a outros períodos e a outras forças políticas. Mas, à medida
que se aproxima do presente, a crítica cede espaço para a apologia do atual
governo.
Silêncio diante da
repressão
O caráter “popular” desse governo ficou
restrito à formalidade, ao discurso. Efetivamente, trata-se de um governo
repressivo, despótico, cerceador. Ao desconhecer isso, a Igreja mostra que
ignorou seu próprio “mandamento político”, segundo o qual “partidos, políticos,
medidas de governo e conjunturas devem ser analisados criticamente”.
Em razão das manifestações que tomaram
conta de várias capitais brasileiras (junho de 2013), Jorge Viana foi à tribuna
do Senado e dali falou, altissonante: “Nossa população não pode ser tratada
como bandida”. Para ele, as manifestações dos jovens são legítimas e não podiam
ser reprimidas pela polícia.
Contudo, quem não lembra do 7 de
setembro de 2005 em que, sob seu governo, a polícia reprimiu e prendeu vários
manifestantes? Onde estava ele quando seu irmão deu ordens para que o COE
jogasse bombas de efeito moral nos manifestantes do Bairro 6 de Agosto e
atirasse balas de borracha neles?
Nesta ocasião última, não eram
apenas os jovens que se manifestavam, mas famílias inteiras: crianças, menores,
idosos etc. Dezenas de pessoas foram feridas. O senador, que em Brasília encena
o papel de paladino da liberdade, não pronunciou nenhuma palavra crítica sobre
o acontecido. Muito ao contrário, tentou desqualificar ambas as manifestações e
tentou creditar esta última à oposição.
Coisas como essas deixam claro que a
democracia que Jorge Viana defende para o Brasil não é a mesma que ele quer
para o Acre. Aqui, ele prefere fazer valer a lei do porrete, desrespeitando
manifestações das ruas e das urnas, como o comprova o caso do referendo em que
a população decidiu pela volta da hora do Acre como era. Em Brasília, ele,
Aníbal Diniz (PT) e Sibá Machado (PT) se desdobram, fazendo de tudo para
sepultar o resultado do pleito que lhes foi desfavorável.
Sobre essas coisas, a Igreja guarda
o mais absoluto silêncio, quebrando-o apenas quando as atribui a manobras da
oposição.
Tratando das críticas
que vêm de dentro
Ainda que aberrantes os episódios de
repressão à manifestação popular narrados acima, a Igreja não fez nenhum
pronunciamento. Agiu como se nada tivesse acontecido. Pior que isso: mesmo a
crítica que surge do seio da Instituição, a cúpula diocesana procura abafar. É
o que mostra um fato ocorrido na IX Assembleia Diocesana, em agosto de 2008.
Naquela assembleia, era forte e
contundente a reclamação dos moradores das florestas e do campo em relação ao
manejo. Pe. Paulino Baldassari, com sua autoridade e conhecimento, endossava a
reclamação. Por força das reclamações, Dom Joaquín propôs a elaboração de um
manifesto que desse visibilidade aos problemas ali externados e servisse para
que a Igreja demonstrasse sua posição crítica em relação ao assunto.
Um esboço do manifesto foi feito e
lido ainda durante a assembleia, a fim de colher sugestões de acréscimos,
supressões ou alterações. O texto é o que segue na íntegra. Nós o chamamos
“manifesto da assembleia diocesana”.
MANIFESTO EM FAVOR
DA AMAZÔNIA E SEUS HABITANTES - VERSÃO ORIGINAL, APROVADA EM ASSEMBLEIA
A
Diocese de Rio Branco-AC, reunida em assembleia nos dias 01, 02 e 03/08/2008,
vem a público manifestar sua profunda
preocupação com o modelo de desenvolvimento em curso no estado do Acre. Assentando na promessa de trazer
crescimento econômico, com respeito às populações locais e ao meio ambiente,
sua implementação não só não tem concretizado suas promessas como tem resultado
em algo bastante diferente.
São de inestimável valor alguns avanços:
fortalecimento de instituições estatais, revitalização de prédios públicos,
modernização de infraestruturas, construção de espaços de cultura e lazer etc.
Mas, por outro lado, é possível constatar em diversas localidades do Estado:
1. Aumento
de áreas desmatadas, prejudicando seres humanos, fauna e flora;
2. Piora
nas condições de vida de populações locais. Por conta do “manejo”, que
privilegia os grandes proprietários e madeireiros e pune os pequenos, muitos
destes têm sido impedidos de plantar roçado e submetidos a multas impagáveis;
3. A
maior parte de nossas riquezas está sendo enviada para fora de nosso estado, e
até para fora de nossos país e continente.
4. Intensificação
e implementação de atividades econômicas que, sabidamente, levam à concentração
de terra e renda, como a pecuária e a monocultura da cana-de-açúcar.
Continuadora
da missão de Jesus Cristo, levar “vida e vida em abundância” (Jo 10,10), a
Igreja sabe o quanto é importante e necessário o desenvolvimento. Mas que este
seja verdadeiramente democrático, includente; que distribua renda e terra;
respeite o meio ambiente, e não apenas privatize as florestas e realize o
desmatamento. Que esteja voltado para as necessidades de nosso estado e da
maior parte de sua população, e não voltado para fora e, assim, reproduza e
aprofunde sob outras formas a dolorosa experiência da exploração de nossa
borracha.
Sabendo
de nossas riquezas e dos variados interesses que elas suscitam, reafirmamos
nosso compromisso com a defesa da vida, que, neste chão, não pode prescindir
também da defesa das florestas. Por isso, enfatizamos a necessidade de se rever o quanto antes o “manejo sustentável”, que até
agora tem se mostrado insustentável na prática, tanto no aspecto social como no
ambiental.
Queremos
desenvolvimento, sim. Mas, como Igreja, povo do Deus da Vida e corresponsáveis
pela criação, entendemos que a Amazônia e seus habitantes não podem ser
submetidos à lógica do lucro a qualquer custo. Primeiro e acima de tudo, a
VIDA!
Diocese de Rio Branco
XI Assembleia Diocesana de
Pastoral
Agosto/2008
O manifesto acima deveria ter sido
divulgado logo ao término da Assembleia. Ao estranhar a demora, entramos em
contato com os dirigentes da Diocese. Eles deram algumas desculpas e disseram
que logo “sairia”, sem dizer clara e convincentemente os motivos da demora.
Mais de uma semana depois, foi divulgado
um manifesto. Entretanto, não era aquele que havia sido aprovado em assembleia.
O texto em questão é o que segue, na íntegra, para que o leitor possa comparar
um e outro. Nós o chamamos “manifesto da cúpula diocesana”.
MANIFESTO EM FAVOR DA FLORESTA E
SEUS HABITANTES - VERSÃO DIVULGADA PELA DIOCESE, MAS SEM O AVAL DA ASSEMBLEIA
DIOCESANA
A Diocese de Rio Branco-AC, reunida
em Assembleia nos dias 01, 02 e 03/08/2008, vem a público manifestar sua sincera preocupação com a política de
exploração florestal no Estado do Acre. Temos tido avanços e também sérios
problemas.
Consideramos que precisa ser
ampliada e intensificada a discussão à legislação do manejo sustentável.
Continuadora da missão de Jesus
Cristo, levar “vida e vida em abundância” (Jo 10, 10), a Igreja sabe o quanto é
importante a necessidade de desenvolvimento, mas que este seja verdadeiramente
democrático, includente: que distribua renda e terra; respeite o meio ambiente;
não privatize as florestas e realize o desmatamento; e que esteja voltado para
as necessidades de nosso Estado e da maior parte de sua população.
Sabendo de nossas riquezas e dos
variados interesses que elas suscitam, reafirmamos nosso compromisso com a
defesa da vida que, neste chão, não pode prescindir também da devida obediência ao ordenamento jurídico vigente
e do correto caminho do desenvolvimento sustentável.
Por isso, enfatizamos a necessidade
de se rever o quanto antes a aplicação da Lei de Concessão de Florestas
Públicas, nº 11.284/06.
Reconhecemos o esforço que se faz,
mas pedimos uma maior fiscalização na
prática do manejo sustentável.
Queremos desenvolvimento, sim. Mas,
como Igreja, povo do Deus da Vida e co-responsáveis pela criação, entendemos
que a floresta e seus habitantes não podem ser submetidos à lógica do lucro a
qualquer custo. Primeiro e acima de tudo, a VIDA!
Diocese
de Rio Branco
XI
Assembleia Diocesana de Pastoral
Agosto/2008
Externando “profunda preocupação”, o
primeiro manifesto faz uma crítica contundente ao modelo de “desenvolvimento
sustentável” implantado no Acre pelo governo da FPA, denunciando seu caráter
colonial e afirmando que “sua implementação não só não tem concretizado suas
promessas como tem resultado em algo bastante diferente”. Também condena o
manejo e destaca o aumento do desmatamento e seus efeitos danosos, o
favorecimento às madeireiras, a punição infligida aos pequenos.
O segundo manifesto, por sua vez, é
“leve”. Fala apenas de “sincera preocupação”. Sugere que se siga o “correto
caminho do desenvolvimento sustentável” e pede “mais fiscalização na prática do
manejo sustentável”. Isto significa que o manifesto segundo (o da cúpula
diocesana) faz uma legitimação daquilo que o manifesto primeiro (o popular)
denunciava, condenava. Também quanto a isso é possível falar de uma involução,
de uma volta ao tempo em que os documentos da Igreja não “colocam em questão as
estruturas injustas”, apontando no máximo uma espécie de “desvio”.
Isso mostra que a cúpula diocesana
procura abafar e/ou adoçar a crítica que surge do seio da própria Igreja. O
episódio deixa claro como agem os membros da cúpula que apoiam o governo, desvelando
certa distância entre a “igreja povo” (a base popular, os fiéis) e a “igreja
instituição” (a cúpula, a hierarquia).
Episódios como esse mostram que a Igreja
é una, mas não é homogênea. Como organização social que é, ela guarda em si
sujeitos com visões, interesses e poderes diversos e até antagônicos. Mesmo na
época em que assumia abertamente os interesses dos de baixo, havia em seu seio
aqueles que pressionavam noutra direção. Dentre outras coisas, as entrevistas
de Chico Mendes e Osmarino Amâncio contidas no livro Trajetória da luta
camponesa na Amazônia-acreana tratam disso.
Pe. Mássimo e outros governistas estavam
na assembleia quando foi lido o manifesto popular. Mas não disseram palavra.
Preferiram tratar tudo entre si, nos bastidores, sem a intromissão do
populacho. E assim, a Igreja, que anos antes ia ao encontro dos oprimidos, que
abria seus espaços e celebrações para que eles falassem de suas dores e lutas,
agora sufoca seus clamores, a fim de não manchar a imagem do governo que (sua
cúpula) defende. Sua preocupação maior é o governo, e não o povo oprimido e
explorado. Os problemas do povo não são os problemas da Igreja, como Dom
Joaquín disse que queria que fosse.
Trata-se, hoje, de uma Instituição que
faz ouvidos moucos aos clamores do povo, mesmo aos clamores que surgem de seu
próprio seio. Quando não é possível ignorar tais clamores, ela se põe a
adoçá-los, descaracterizá-los.
Silêncio diante da
censura
O tratamento que o governo dispensa
à imprensa é outra coisa que muito ilumina o clima político que se vive no
Acre. Vivemos ainda num estado em que “a liberdade não passa de uma palavra sem
conteúdo”, como disse, anos atrás, Dom Moacyr naquela carta em que a Igreja
rompia com as autoridades estatais.
Sobre isso, é esclarecedora uma carta
que o jornalista Silvio Martinello
dirigiu a Jorge Viana. Isso foi em 2001, antes de eles se tornarem bons amigos.
A carta é autoexplicativa. Por isso, prescindimos de comentários, restando-nos
apenas dizer que também sobre isso a Igreja mantém silêncio.
Em meus 25 anos de jornalismo no
Acre, nunca tivemos um governo tão contencioso, tão difícil, tão repressor e
policialesco quanto o seu.
No começo, pensava-se que era excesso
de zelo seu e de seus assessores em construir e preservar uma boa imagem de
governo. Redações de jornais, estúdios de televisão eram, diariamente e várias
vezes por dia, visitados pelos seus assessores, para saber o que iria ser
publicado no dia seguinte ou iria para o ar. Houve um tempo em que seu assessor
de comunicação chegou a pedir uma cópia da primeira página dos jornais, antes
de ir às bancas.
Com o passar do tempo, porém, donos dos veículos de comunicação, seus editores
e jornalistas se deram conta que não era exatamente excesso de zelo. Era uma
tentativa clara de controlar, de pautar, de editar e de impor uma verdadeira
censura prévia aos veículos.
Atualmente, os órgãos de imprensa
que não têm independência financeira e sobrevivem às (sic) expensas de um
contrato de publicidade, vivem um verdadeiro clima de terror. Seus donos são
ameaçados de retaliações, até de prisão (...). Seus editores e repórteres
trabalham com medo (...).
Através de um levantamento que A
GAZETA começou a fazer nas últimas semanas, está-se chegando à triste conclusão
que nunca um governo abriu tantos processos contra veículos de comunicação e
jornalistas quanto o seu. Já chegaram a quase duas centenas.
Somente entre 2012 e meados de 2013,
pelos menos, 7 jornalistas tiveram problemas com seus chefes ou foram demitidos das empresas
em que trabalhavam. O motivo: fizeram matérias que não agradaram o governo. O
sindicato da categoria não se manifestou sobre o caso, pois parte significativa
de seus dirigentes trabalha para o governo. Nos dias que correm, o blogueiro
Altino Machado é perseguido, difamado e sofre ameaças várias por sua atuação
independente em relação ao governo.
Também sobre isso a Igreja guarda
silêncio. Nos difíceis anos da ditadura militar, a Instituição denunciava a
subserviência da imprensa ao governo e à classe dominante. Por isso, ela criou
seu próprio jornal, o Nós Irmãos, e
ajudou na criação e na manutenção do Varadouro.
Através desses instrumentos, ela denunciava as injustiças e fazia frente aos
dominantes.
Agora, porém, age como se nada de errado
estivesse acontecendo, como se tudo estivesse na mais perfeita paz e a
liberdade vigorasse, plena.
Contudo, a Igreja não erra apenas por
omissão. Entre seus membros, há aqueles que o fazem ativamente.
Uma Igreja-instrumento
a serviço do governo
Ao lançarmos um olhar sobre alguns
projetos e questões específicas, poderemos apreender de modo mais preciso o
atrelamento subserviente da cúpula da Igreja ao governo local. Trataremos disso
tomando em conta o Programa Cidade do Povo e a Operação G-7[20].
Cidade do Povo é um programa feito,
maiormente, com recursos do governo federal. Através dele seriam construídas
mais de 10.000 casas. Quando de seu lançamento, Tião Viana convidou alguns
sacerdotes (católicos e evangélicos) para darem a bênção.
Entres estes, estava Pe. Mássimo, reitor
da Diocese de Rio Branco e, portanto, autorizado porta-voz da Instituição. Em
verdade, o clérigo é atualmente a principal figura pública da Igreja. Dom
Joaquín prefere o anonimato que, não raro, traduz sua omissão como pastor maior
da Diocese.
Num gesto que bem mostra a que ponto
chegou a instrumentalização da Igreja pelo atual governo, o sacerdote católico
abençoou o programa e pediu que “Deus afastasse toda negatividade”. De um modo
implícito e simplista, o pedido fazia referência às críticas e denúncias que o
referido programa sofreu desde o início de sua divulgação. O Instituto de Meio
Ambiente do Acre (IMAC) e o Ministério Público Estadual (MPE) já haviam se
posicionado contrariamente ao programa do jeito que ele fora desenhado
inicialmente.
Dentre outras coisas, argumentavam
sobre os impactos ambientalmente danosos da obra. Sobremodo, alertavam para o
fato de o projeto atingir o Aquífero Rio Branco. Segundo estudos, este
aquífero, sozinho, pode abastecer cerca 1 milhão de pessoas. Nesses tempos em
que o Rio Acre, ano após ano, passa por secas cada vez mais graves, proteger
este patrimônio não é coisa de pouca monta. Trata-se, em última instância, de
sobrevivência. Estaria aí também uma maneira de livrar a população de pagar os
preços exorbitantes que, em tempo de seca do rio, os carros-pipa cobram pela
água.
Segunda matéria intitulada Estado é acusado de falsificar documentos
de licença ambiental para instalação do projeto Cidade do Povo, o MPE
denunciou que, na formulação da licença ambiental prévia, houve um “simulacro
de EIA/RIMA”, forjado com o intuito de cumprir, apenas aparentemente, as
“exigências legais”.
Segundo as investigações do referido
órgão, o governo enviou o pedido de licença para a construção da Cidade do Povo
em 11/06/2012. Todavia, neste mesmo dia, era publicado no Diário Oficial que o
pedido havia sido feito em 08/06/2012, isto é, três dias antes do que realmente
ocorreu. Isto é tipificado como “falsidade ideológica”.
Ainda de acordo com o MPE, o pedido de licença
não teve parecer do diretor do IMAC, como deveria. Simplesmente, uma
funcionária deferiu e autorizou, ela mesma, a licença. Além disso,
fraudulentamente, a licença foi expedida em 22 de junho de 2012 e, coisa incrível,
publicada no Diário Oficial de 25 de junho de 2012, antes mesmo de o diretor do
IMAC recebê-la, o que só ocorreu em 26 daquele mesmo mês.
Sem demora e com o ressentimento de
sempre, o governo reagiu. Abriu representação no Conselho Nacional do Ministério
Público contra os promotores Meri Cristina Amaral, Alessandra Marques, Gláucio
Oshiro e Rita de Cássia Nogueira, que investigam o
projeto da Cidade do Povo (Governo contra MP).
Do que foi dito acima, sublinhemos:
1) a preocupação com a questão ambiental serve ao governo apenas como peça
discursiva e propagandística; 2) para levar a cabo seus projetos, o governo parece
que não hesita em lançar mão de certo “jeitinho” e 3) não hesita também em
perseguir e constranger aqueles que, no mais estrito cumprimento de suas
funções, criam embaraços a ele.
Outras coisas mais
mostram que, apenas no simplismo de Pe. Mássimo, poderíamos tratar as críticas
e denúncias referentes à Cidade do Povo como “negatividades”. Através de
interceptações telefônicas autorizadas pela justiça, a Operação G-7 mostrou que
empreiteiros pretendiam lucrar de 600.000 mil a 700.000 mil a mais no projeto,
diminuindo meio metro quadrado das casas a serem construídas (Empresas envolvidas na Operação G7 da PF lucrariam com a diminuição de
meio metro quadrado nas casas da Cidade do Povo).
Como sabemos, a Operação G-7 prendeu
empreiteiros envolvidos neste e em outros “esquemas”. Sem nenhum pudor, o
governador Tião Viana saiu em defesa deles. Disse em evento promovido pelas
forças governistas que conhecia as pessoas presas na referida Operação, que
eram “inocentes” e “presos políticos”.
É imperativo lembrar que alguns dos
empreiteiros defendidos por Tião Viana já haviam sido denunciados por ele e seu
irmão, em 1985. Naquela ocasião, os irmãos denunciavam que, sem licitação, foi
contratada a obra de reforma do Hospital de Base e do Pronto Socorro de Rio
Branco e, nela, as empreiteiras envolvidas lucrariam, ilicitamente, até 1
milhão (Sebastião e Jorge Viana denunciaram no
passado, empreiteiros que defendem no presente).
Então, como assim, as pessoas presas
na Operação G-7 são inocentes? O governador errou antes, por denunciar os
empreiteiros, ou erra agora, por defendê-los? Por que Tião Viana sai em defesa
destes, mesmo depois que as escutas telefônicas feitas pela PF comprovaram
“acerto” para diminuir o tamanho das casas? Isso já não seria suficiente para
colocá-los sob suspeitas e deixar o governador reticente quanto à idoneidade
deles? Não seria tal atitude uma mostra de comprometimento também da autoridade
governamental no esquema?
No intuito de orientar a opinião
pública em seu favor, o governo promoveu um evento que ele disse ser “em favor
da democracia e da justiça e contra o golpe”. Ao lado de pastores das igrejas
Assembleia de Deus, Batista e Quadrangular, Pe. Mássimo lá esteve[21].
E ali declarou seu amor a Tião Viana. “Nós te amamos, Tião Viana”, disse ele
publicamente ao governador, naquele mesmo evento em que Aníbal Diniz atacou,
com termos indisfarçavelmente machistas, a honra das desembargadoras Maria
Cezarinete Angelim e Denise Bonfim, dizendo-as “magoadas, mal resolvidas”. Dias
antes, junto com espíritas e evangélicos, o sacerdote católico articulava um culto
ecumênico na papudinha em intercessão aos presos na Operação da PF.
Nenhuma palavra de solidariedade à
desembargadora Denise Bonfim que, em razão de sua atuação na Operação G-7, foi
ameaçada de morte. De igual modo, o Pe. também não manifestou nenhuma solidariedade
ao coordenador regional do CIMI (Lindomar Padilha) e à coordenadora da CPT
(Darlene Braga). As sedes dessas organizações já foram invadidas várias
vezes. Lindomar Padilha já foi ameaçado
de morte inúmeras vezes.
Sobre isso, não se viu nenhuma atitude ou se
ouviu uma palavra de Pe. Mássimo, em particular, e da cúpula diocesana, em
geral. Quer isto dizer que a Instituição, através de seu porta-voz, manifesta
solidariedade em relação a pessoas acusadas de sérios crimes, mas não em
relação a seus membros que, arriscando a própria vida, continuam suas lutas em
favor dos de baixo. Isso faz da Igreja Católica corresponsável de tudo quanto
de mau o governo da FPA vem fazendo no estado.
Dom Joaquín parece não se incomodar com
o fato de Pe. Mássimo macular dessa forma a autoridade moral da Igreja, que
procure, em nome de Deus e da Instituição, justificar o injustificável. Neste
sentido, o bispo erra política e moralmente por omissão, já que nada faz
referente ao fato de o referido padre agir mais como um militante petista do
que como sacerdote.
Vai longe o tempo em que a Igreja local,
a partir da Pastoral de Conjunto, apoiava cada luta e cada lutador e lutadora.
Hoje CIMI e CPT vivem isolados, desassistidos pela Diocese, praticamente
abandonados. As razões disso são assaz notórias. É que essas organizações são
as únicas da Igreja que continuam intransigentes na defesa dos oprimidos e,
como suas lutas envolvem terras e territórios, questionam o âmago do modelo de
“desenvolvimento sustentável” da FPA, que é a privatização das florestas, a
exploração desregrada dos bens naturais e a espoliação das comunidades
locais.
Discursivamente a teologia da libertação
ainda serve à Igreja, inspira discursos e está presente nos documentos... como
letra morta. E não vai para além disso. Efetivamente, a “teologia da
conciliação” volta a reinar. As estruturas de injustiça já não são questionadas,
e as questões sociais voltam a ser tratadas numa perspectiva meramente
caritativa, pouco consequente.
Com efeito, a leitura política que
orienta atuação da Instituição já não leva em consideração as classes e as
causas sociais, mas tão-só as forças políticas partidárias. Ela apoia sempre a
FPA e combate sempre a oposição. Todavia, como dissemos alhures, “oposição” e
“situação” (FPA) não representam blocos monolíticos, contendo um todas as
virtudes e o outro, todos os vícios. São, isto sim, “grupos políticos
flexíveis”.
Dependendo dos acordos ou desacordos, os
indivíduos transitam entre um e outro sem pudores, sem preocupações maiores com
programas de governo ou ideologias. E a história já se encarregou de mostrar a
todos os que têm um mínimo de capacidade de observação que nem a oposição nem a
FPA de hoje são as mesmas de ontem.
Esse atrelamento subserviente da Igreja
às forças governistas chega ao ponto de colocá-la em desacordo não apenas com a
oposição, mas também com as forças realmente populares.
Fazendo eco às manifestações populares
que tomaram o Brasil no mês de junho/2013, a população promoveu no Acre o “Dia
do basta”. Nenhum representante oficial da Igreja compareceu à manifestação. A
razão disso é simples. Mesmo não sendo organizada pela oposição, a manifestação
popular questionava abertamente o atual governo e os recentes escândalos de
corrupção em que ele se enredou.
É nisso e em tantas outras coisas[22]
que aqui não pudemos tratar que assentamos a tese de que a Diocese de Rio
Branco, que já foi uma referência para o Brasil em termos de luta em favor dos
de baixo, vive hoje um momento de involução política. Ela é hoje uma Igreja
pré-conciliar, mais governo que povo, aliada das oligarquias, e não dos pobres,
mais solícita aos convites do Faraó do que aos clamores do povo que sofre.
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junho de 2013.
Empresas envolvidas na Operação G7 da PF lucrariam
com a diminuição de meio metro quadrado nas casas da Cidade do Povo Disponível
emhttp://www.ac24horas.com/2013/05/11/empresas-envolvidas-na-operacao-g7-da-pf-lucrariam-com-a-diminuicao-de-meio-metro-quadrado-nas-casas-da-cidade-do-povo/ Acesso em 11 de
maio de 2013.
Sebastião e Jorge Viana denunciaram no
passado, empreiteiros que defendem no presente Disponível emhttp://www.tribunadojurua.com.br/politica/sebastiao-e-jorge-viana-denunciaram-no-passado-empreiteiros-que-defendem-no-presente/ Acesso em 17 de
junho de 2013.
[1] Embora falemos - de um modo bastante geral
e impreciso, reconhecemos - de Igreja Católica do Acre, tratamos mais
precisamente da Diocese de Rio Branco, antes Prelazia do Alto Acre e Alto
Purus.
[2] Cientista Social com habilitação em Ciência
Política, mestre em Desenvolvimento Regional e membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia
Ocidental - NUPESDAO. E-mail: israelpolitica@gmail.com
[3] O primeiro foi sagrado bispo em 1920, e o
segundo em 1948.
[4] A Prelazia foi “criada” em 1919, através da
bula “Ecclesiae Universae Regimen”. Mas só foi “instalada” um ano depois,
quando chega ao estado uma equipe capitaneada por um bispo, a fim de cuidar
efetivamente dos serviços. Em 1986, a Prelazia é elevada à Diocese de Rio
Branco.
[5] Bourdieu fala apenas de “capital político”
e o trata como pertencente ao capital simbólico. Em razão disso é que
acrescentamos ao “capital político” o “estatal”, especificando que se trata do
controle sobre o Estado em sentido restrito.
[6] Não resta dúvida de que o poder econômico
tem uma dimensão e uma força políticas, às vezes até maior que o próprio
Estado, símbolo maior do poder político no Ocidente. Sobre isso, vale consultar
o artigo de Boron: Os novos Leviatãs e a
pólis democrática (no livro A coruja
de Minerva: mercado contra democracia no capitalismo contemporâneo). Dentre
outras coisas, o autor destaca o enorme poder de que dispõem algumas empresas
(os novos leviatãs) transnacionais na contemporaneidade. Algumas destas
empresas chegam a ter ganhos anuais que superam o PIB de certos países. Para
entender a dimensão ideológica do poder econômico, ver o clássico de Marx e
Engels: A ideologia alemã. Ver
também as páginas de Contribuição à
crítica da economia política, em que Marx trata do capitalismo como quase
uma religião. Sobre o mesmo assunto, mas noutro prisma, vale consultar Sobre a questão judaica, onde Marx,
ainda muito jovem e muito antes de Weber, trata da importância do judaísmo e do
cristianismo para o capitalismo. Ainda sobre o poder econômico das ideias
(valores, ética, religião), ver A ética
protestante e espírito do capitalismo. Em perspectiva um tanto diversa da
de Marx, nesta obra última Weber procura mostrar a importância da ética
religiosa (protestante) para a implantação do capitalismo. De outra banda,
importa reconhecer que o poder político estatal tem uma dimensão ideológica.
Gramsci (Cadernos do cárcere: Maquiavel.
Notas sobre o Estado e a política) dizia que o Estado tem também um papel
de educador das massas, isto é, uma função ideológica. E também dizia,
inspirando-se em Maquiavel, que as ideias, a cultura, os saberes e os valores
têm uma dimensão eminentemente política (GRAMSCI, 2007: 23-24). Por seu turno,
inspirando-se em Weber e mostrando a dimensão ideológica do poder político
estatal, Bourdieu (O poder simbólico)
chamava o Estado de o “detentor do monopólio da violência simbólica legítima”.
Por outro lado, mostrando a dimensão política do poder ideológico, dizia que “o
capital político é uma forma de capital simbólico” (BOURDIEU, 2007: 146; 187).
[7] A casa em que o bispo reside é conhecida como
Palácio do Bispo.
[8] Expressão extraída de Gustavo Gutiérrez
(2000: 162) e mostra como os “poderosos” interpretam e tratam o envolvimento do
clero com a causa dos “pequeninos”.
[9] É forçoso salientar que no livro de Dom
Joaquín, em colaboração com Pe. Mássimo, de onde tiramos essa informação e de
que nos valemos largamente ao longo deste artigo, encontramos a expressão
“revolução dos militares”. Usar em seu lugar “golpe militar” é opção nossa, e
isso fazemos por acharmos mais condizente com a “verdade efetiva das coisas”,
como diria Maquiavel. Chamamos a atenção para destacar certo conservadorismo
presente no livro. Esse conservadorismo vai aumentando conforme avança no
tratamento dos anos mais recentes, exatamente os anos em que a Igreja se
reaproxima das forças dominantes. Revolução dos militares é expressão usada
pelos próprios militares e seus apoiadores (entre os quais, no início, estava a
Igreja Católica), a fim de justificar o regime por eles implantado sob direta
influência dos EUA. Não obstante, sublinhamos a riqueza histórica do referido
livro.
[10] Pierre Bourdieu (A economia das trocas simbólicas) argumenta que “A igreja contribui
para a manutenção da ordem política (...) pela consecução de sua função
específica (...) de contribuir para a manutenção da ordem simbólica (...), pela
imposição e inculcação dos esquemas de percepção, pensamento e ação
objetivamente conferidos às estruturas políticas e, por esta razão, tendentes a
conferir a tais estruturas a legitimação suprema que é a ‘naturalização’” (BOURDIEU,
2007: 70).
[11] Quanto a isto, discordamos da opinião do
atual bispo. Como assinalamos, ao propor como marca de seu pastoreio a
“promoção humana” em suas múltiplas dimensões e ao assumir, de modo
significativamente prático, a causa dos oprimidos, Dom Giocondo já orientava a
Igreja para uma reforma conciliar. Em nossa opinião, a Primeira Assembleia
Geral de todos os Agentes Pastorais, convocada em 1971, representou um maior
esforço para estruturalmente adequar a Igreja ao Concilio Vaticano II. Não representa,
portanto, “um ponto de partida”, mas a consolidação de um trajeto e a abertura
para outro. É a isto que chamamos de “um legado para os anos vindouros”. Para
ser justo, é mister dizer que sob Dom Giocondo, nos idos anos de 1960 e início
dos de 1970, a Igreja estava mais conforme o referido Concílio, do que sob Dom
Joaquín nos dias de hoje. Oportunamente, mostraremos que a Diocese de Rio
Branco, hoje, atua como uma Igreja pré-conciliar, efetuando com isso uma
involução política.
[12] A falar a verdade,
usamos o termo “teologia da conciliação” com certa cautela e nunca desprezamos
a postura efetiva da Igreja perante as autoridades estatais e à classe
dominante, que, num dado momento, era uma postura de “amizade” e subserviência
ao mesmo tempo. De seu lado, o entendimento da “teologia da separação” deve
seguir o mesmo critério. Desse modo, ressaltamos que, ainda que naqueles anos
de “teologia da conciliação”, não tivesse ocorrido a ruptura formal da Igreja
com as autoridades estatais e a classe dominante, a Instituição eclesial já as
combatia abertamente.
[13] Quanto a isso,
recomendamos as seguintes obras: Capital e trabalho na Amazônia Ocidental:
contribuição à história social e da luta sindical no Acre, (Des)Envolvimento
insustentável na Amazônia Ocidental: dos missionário do progresso aos
mercadores da natureza, Trajetórias da luta camponesa na Amazônia-acreana e
Resistência camponesa e desenvolvimento agrário: uma análise a partir da
realidade amazônico-acreana. Também alguns textos presentes neste livro
abordam, a seu modo e segundo seus objetivos, o tema. Ver a Parte II.
[14] O PMDB venceu as eleições estaduais em
1982, com o slogan “governo de
participação popular”. O governo prometia atender demandas sociais (PAULA,
2006: 117). Isso foi o suficiente para convencer alguns (como João Maia) de seu
caráter democrático-popular, participativo. Em verdade, a opção que o então
delegado da CONTAG faz antecipa a opção desastrosa que o grosso do movimento
sindical e social ligado aos de baixo faz no governo da FPA: abdica de sua
autonomia em favor de um governo que, ainda que se diga democrático e
participativo, não passa de elitista e despótico.
[15] A citação é do
boletim Nós irmãos da Igreja, de
1981, e foi reproduzida por Costa Sobrinho (2001: 61), de onde a extraímos.
Dentre outras coisas, isso mostra que a Igreja tinha plena consciência de seu
passado e o enxergava com autocrítica.
[16] Esse episódio ficou popularmente conhecido
como “Dia D”.
[17] O candidato à época era Jorge
Viana, que ganhou aquelas eleições e foi reeleito em 2002.
[18] Isso
não significa que não houvesse problemas. Chico Mendes e Osmarino Amâncio
tiveram atritos com certos setores conservadores ou “moderados” da Igreja.
Alguns padres chegaram mesmo a sabotar, por dentro, as ações da Instituição.
[19] Ver, na Parte II, Estado e Movimento Indígena na Amazônia Ocidental: do conflito à
conciliação? Crônica de uma vitória às avessas, Conselhos no Acre:
aparência democrática, Ambientalismo e geopolítica: da criação das RESEX aos
corredores da espoliação e “Depois de mim, o dilúvio”: o “círculo vicioso da
dívida” pública.
[20] Para mais sobre este assunto, ver na Parte
II Operação G-7: uma leitura política.
[21] Esse e outros eventos informam a forte
influência das forças políticas dominantes sobre amplas camadas do cristianismo
no Acre (católicos, protestantes e evangélicos) que, em geral, vêm atuando de
modo conservador e subserviente ao governo.
[22] Sobre isso, ressaltamos que seria muito profícuo
analisar o papel do crescimento da Renovação Carismática Católica (RCC) e seu
peso na reorientação da atuação política da Igreja. Por outro lado, reputamos
também imprescindível considerar os projetos sociais que o governo mantém com a
Diocese, bem como as reformas que ele financiou em várias paróquias e na
Catedral.
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