terça-feira, 4 de outubro de 2011

6 de Agosto: as razões de nossas lutas e esperanças


                                                                                                                        Israel Souza (morador)
          
           Passados alguns dias das primeiras manifestações dos moradores da região do Bairro 6 de Agosto objeto de “intervenção” do governo, as coisas não andaram quase nada. Como é sabido, no último dia 15/09/2011 tivemos em reunião com alguns secretários estaduais e municipais. Pedindo-nos um “voto de confiança”, disseram 1) que só sairia quem quisesse e 2) que não tinham ainda um projeto para a área. Os motivos que temos para duvidar disso não são poucos nem pequenos.
           Fazendo uma pesquisa sobre as pretensões do governo para a região, encontramos algumas notícias que dão azo a nossas dúvidas. Uma matéria publicada (15 de abril de 2011) na página da Prefeitura Municipal de Rio Branco cujo título era Ministro, prefeito e governador visitam áreas alagadas em Rio Branco diz o seguinte:  
          

            A liberação de mais 500 casas justifica-se pela natureza do desastre, menor que os deslizamentos ocorridos no Rio de Janeiro no ano passado porém consolidando a reorientação da Presidenta Dilma para a política nacional de defesa civil e de ocupação do solo urbano. O Aluguel Social pagaria a locação de imóveis enquanto as famílias não possam se mudar para a nova residência, esta construída em local seguro. Por essa política, as áreas de risco serão extintas como ambiente ocupado por pessoas (negrito nosso).
           Outra matéria - publicada pela Agência de Notícias Acre e também encontrada na versão on-line do Página 20 (08 de maio de 2011) - informa-nos:
          O governo do Estado já repassou e conseguiu aprovar junto ao Ministério da Integração o projeto de construção das 500 casas em que serão alojadas as famílias situadas nas áreas de risco e que todos os anos necessitam ser removidas para abrigos oficiais ou para casas de parentes, levando consigo todo tipo de prejuízo. O plano do governo estadual é transformar todas as áreas de risco na beira do Rio Acre em áreas de preservação ambiental permanente. Por essa política, as áreas de risco serão extintas como ambiente ocupado por pessoas. 
           Avançando ainda na pesquisa, chegamos à matéria Igarapé Judia fará parte de projeto piloto na Amazônia. Publicada pela Agência de Notícias do Acre, ela data de fevereiro do corrente ano (11/02/2011) e versa sobre o projeto “Compreendendo o presente para adaptar-se ao futuro: Análise de vulnerabilidade das comunidades da sub-bacia do Igarapé Judia, diante dos impactos das mudanças climáticas na Bacia do Rio Acre”. Seu objetivo principal seria “diagnosticar a vulnerabilidade das comunidades dessa região”.
           Após tão longas citações, vamos às considerações e a algumas perguntas. Como se vê, são matérias extraídas de fontes oficiais. Elas deixam muito clara a intenção do governo estadual, já àquela época, de “limpar esta área”, de tirar todas as pessoas que aqui habitam, destinando-a em seguida à preservação ambiental permanente. Então, diferentemente do que dizem as autoridades estatais, temos, sim, um projeto para a área. O governo do Estado já teria até repassado e conseguido “aprovar junto ao Ministério da Integração o projeto de construção das 500 casas em que serão alojadas as famílias situadas nas áreas de risco”.
Se “Por essa política, as áreas de risco serão extintas como ambiente ocupado por pessoas”, como dizem as matérias, como agora dizer que as pessoas que não quiserem sair não sairão? Teria o governo recuado em seu “projeto original” ou ele está apenas querendo ganhar tempo? Não temos o direito de saber sobre “essa política” (projeto) que tão diretamente afeta nossas vidas?  
            Fruto de uma parceria entre o HSBC e o governo estadual, o projeto para a bacia hidrográfica do rio Acre, com foco na sub-bacia do Judia, envolve ainda o Consórcio Intermunicipal do Território dos municípios do Alto Acre e Capixaba (Condiac), Iniciativa MAP, Ucegeo, WWF-Brasil, prefeitura de Rio Branco, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, CARE e a Agência de Cooperação Alemã para o Desenvolvimento. Segundo a coordenadora do projeto, Vera Reis, “a metodologia tem uma profunda base técnica e participação da comunidade, o que faz com que esse diagnóstico seja piloto na região amazônica. Os estudos serão também subsídios para o plano estadual de recursos hídricos e para a Defesa Civil”.
            Vê-se desse modo que, ora enfocando o Rio Acre e ora o Judia, já faz tempo o governo tem projetos para a área. Bem antes da “alagação” de Abril. Aqui duas coisas saltam aos olhos: 1) o projeto tem a participação de organizações responsáveis por promover interesses estrangeiros na região Amazônia, caso da Iniciativa MAP e WWF e 2) a matéria data de fevereiro, e ainda hoje, Outubro, a comunidade não sabe nada nem de projeto nem de participação.
Por outro lado...

            Por outro lado, a população segue angustiada com as dúvidas acerca do futuro. Mesmo sem saber (ou pelo menos sem dizê-lo) para onde levar as famílias, o governo já começou a retirada. No lugar das casas demolidas, estão colocando algumas placas, como pode ser visto na foto a seguir.


Em conversa com os moradores, ficamos sabendo que houve quem tivesse que vender toda a madeira de sua casa por 300 reais para poder pagar o primeiro mês de aluguel (!), já que o dinheiro do Aluguel Social não cai de imediato na conta dos moradores que aceitam sair. A procura das casas para alugar não é coisa fácil. Ao saberem que é o governo quem vai pagar, alguns donos de imóveis se negam a alugar. Outros estão a exigir dois meses adiantados. E outros tantos não aceitam animais.        
Entre os moradores, há quem se negue a aceitar as condições que o governo ofereceu para a saída. Embora seja afetada pela “alagação”, dona Antônia da Silva Feitosa (ver foto a seguir) diz que só sai dali para um lugar que seja seu. “Não quero sair do que é meu pros outros pagarem aluguel pra mim, não”, diz ela. A foto mostra ainda, à direita, ao fundo, a marca que os agentes do governo fizeram na casa.


De igual modo pensam os comerciantes da região, que já reclamam de diminuição em suas vendas. Alguns de seus clientes já se foram. Melquizedeck (foto à esquerda, logo a seguir) afirma que “fica a vida toda na alagação”, mas não sai dali para uma casinha em que não cabem as suas coisas. “Esse é meu sustento. Daqui eu alimento meus 5 meninos”, disse.    
 


           Embora diga publicamente que não tem projeto para a área, o governo já começa a fazer ali uma obra. Não se sabe o que é. Porém, ela tem impacto direto em - pelo menos e por enquanto - uma das casas de seu entorno (ver fotos a seguir).




           A seguir vão outras fotos mostrando como a realidade das casas da área são bem distintas. Aí são mostradas casas da Rua Santa Terezinha, mais distantes do canal que traz a água da “alagação”. E mais ainda o são as da Rua Cearence. São casas melhor trabalhadas, em geral maiores e feitas com melhor material que aquelas mais afetadas pelo fenômeno das águas. Como se vê, as casas estão bem próximas dos viadutos recém-construídos. E foram pintadas exatamente em razão disso. Talvez o ex-governador Binho Marques não quisesse que, sem pintura, elas tirassem o brilho da obra, coisas do senso estético da Frente Popular. Por isso, pediu aos moradores que deixassem pintar suas casas, sem custo para eles.
          




            

Por ali tem asfalto, calçadas, luz, saneamento, parada de ônibus, escola, posto de saúde etc. Depedendo do caminhar, em coisa de, no máximo, dez minutos se chega ao centro. Não se tem tudo. Mas é difícil querer trocar o que se tem por algo incerto, não se sabe onde...
Por todos problemas elecados acima, a popualação anda insegura. Muitos dizem que não investem mais nenhum centavo em suas casas, porque não sabem se saem ou não. Desde o início os gestores estatais se negam a conversar abertamente com os moradores. Negam qualquer possibilidade de uma assembleia na comunidade. Dizem que isso não esclareceria todos os casos. Ocorre que do jeito que está também não esclarece. A confusão e a insegurança entre os moradores bem o demonstram. Na última reunião (15/09/2011), ficaram de preparar uma carta em que tirariam algumas dúvidas e afirmariam que apenas sairia quem quisesse. Até hoje essa carta não apareceu.
Ademais, corre pela cidade uma conversa de que é intenção do governo construir uma mini-cidade aqui perto. Há quem fale em condomínios a serem construídos por empresas vindas de fora, parece que de São Paulo (E a abertura de licitação?). Com a infra-estrtutura a área ficou valorizada e, tiradas essas famílias daqui, criando um parque de proteção ambiental... Hummmm... Tudo parece se encaixar... Basta olhar os prédios que vêm sendo construídos na capital, os efeitos da construção de infra-estrtura e da criação de áreas de preservação ambiental, a “limpeza de terreno” etc.
Seria realmente isso? Não ousaria uma resposta, mas o governo é obrigado a fazê-lo. Afinal, a transparência é um dos princípios da administração pública. E enquanto ele não torna público o que pretende, continuamos unidos e em luta. Essas são as razões de nossas angústias, de nossas lutas e esperanças...  

Nenhum comentário: